Opinião

Bagunça

23 dez 2023 16:00

José Amado da Silva, professor universitário

Meu Caro Zé,

No meio do turbilhão de acontecimentos e notícias nacionais e internacionais que nos assolam, um político nacional classificou o que se passa, sobretudo cá no nosso Portugal, como “bagunça”.

Com a minha mania (própria dos pobres ignorantes) de ir à origem das palavras, verifiquei que ela não constava de um Dicionário de Étimos da Língua Portuguesa em 4 volumes, mas no “Novo Aurélio”, de Aurélio Buarque de Holanda, lá vem “s.f. Bras. Máquina para remover aterro. 2. Gir. Desordem, confusão, baderna, bagunçada…”.

Com isto, a confusão passou a ser minha.

É que a gíria assumiu o alvo (o aterro) do conceito básico do termo (máquina) como se fosse o próprio termo.

E, a avaliar pelo que se passa por cá, parece que o terá feito com grande prescidência.

De facto, se há bagunça (confusão) onde está a bagunça (máquina) para remover esta confusão (bagunça)?

A resposta óbvia seria: o regular funcionamento das instituições de um verdadeiro Estado democrático.

Uma das bases garante desse Estado é o sistema eleitoral, em que a representatividade da totalidade e de cada cidadão está devidamente assegurada, com a devida responsabilização de quem é representante perante quem lhe conferiu essa representação.

Ora, no sistema eleitoral só o Presidente da República e, mais recentemente, cada presidente de câmara (o cabeça de lista mais votado) cumpre nominal e formalmente essas condições.

Tudo o mais está nas mãos dos partidos, com a exceção das listas independente em eleições autárquicas.

Ou seja, a “máquina” para alterar a situação tem defeito de fabrico.

Mas, nas recentes eleições para secretário-geral do Partido que se autoconsidera o pilar da democracia portuguesa, houve dois dias de eleições e, no final do primeiro dia, foram anunciadas as votações já obtidas pelos candidatos até aí.

Como sabemos, nas eleições para deputados, não podem ser divulgados resultados (nem sequer sondagens à boca das urnas) antes das 20h, apesar de a votação terminar às 19H, por causa dos votantes dos Açores.

O mais espantoso foi a quase envergonhada reação de muito poucos a esta situação, com o presidente da Assembleia da República a notá-lo, mas a desculpá-lo logo de seguida, dizendo que os votantes socialistas são conscientes e não se deixam influenciar.

E os outros, não?

Porquê, então, a regra existente nas eleições gerais?

A máquina está mal construída e ainda lhe dão entorses.

Mas todos têm “a consciência tranquila”. Eu não! Nem quero que ela adormeça. Até sempre

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990