Opinião

Até onde vai o abuso da representatividade?

5 fev 2021 13:39

Quer dizer que pode haver “outra” eutanásia (e tanta houve e não está ainda a haver?), mas o que é sujeito a discussão é tão só a voluntária, ou seja, a que resulta de uma escolha deliberada e consciente do doente.

Meu Caro Zé,

Havia muitas coisas que quereria discutir contigo, desde as eleições ao “diz que não disse” de políticos que deviam ser responsáveis, acrescentando um indesejável caos ético ao caos pandémico que nos assola.

Mas vou cingir-me a um só caso, que considero de lamentável agressão à democracia, ou seja, a aprovação da lei da eutanásia pelo parlamento.

Repara bem, Zé!

Não vou discutir, agora, o conteúdo da lei, mas tão só o processo da sua “construção” e, sobretudo, o seu enquadramento temporal.

Para encontrar os argumentos contra o processo tenho de me socorrer de uma discussão sobre o conceito de “eutanásia” que, segundo o Dicionário da Sociedade de Língua Portuguesa, é “morte sem dor nem sofrimento; morte por compaixão”.

É uma definição quase neutra quanto ao autor e sobre quem é o decisor do processo que conduz à morte.

Por isso, tentando ir mais fundo, recorri à Enciclopédia Britânica que a define nos termos seguintes: “Eutanásia, também chamada ‘morte por compaixão’, vem do grego, significando ‘boa morte’, especialmente o dar a morte a doentes incuráveis ou em estado terminal a pedido do doente”.

Contudo, sendo a “minha” enciclopédia de 1983, procurei verificar se havia alguma atualização, consultando, para o efeito, a versão atual online.

Aí verifiquei que a descrição de 1983 permanece quase sem alteração, mas vem acrescentada de: “ou permitindo a sua morte retirando o tratamento ou os meios que suportam artificialmente a vida”.

Nota, Zé, que apenas se refere a retirada de “meios”, não havendo qualquer referência ao uso de meios intrusivos.

Fica, logo aqui, um bom tema de discussão.

A partir destas considerações, retiro como fundamento da minha afirmação a necessidade de a decisão partir exclusivamente do doente (do cidadão) ou de quem dele recebeu delegação.

É isto que a lei não pode esquecer pois, se o fizer, viola os direitos fundamentais do cidadão.

Isto é ratificado noutro ponto da Enciclopédia Britânica que aborda o tema “eutanásia voluntária e suicídio”.

Quer dizer que pode haver “outra” eutanásia (e tanta houve e não está ainda a haver?), mas o que é sujeito a discussão é tão só a voluntária, ou seja, a que resulta de uma escolha deliberada e consciente do doente.

Pergunto eu então aos partidos e a cada um dos deputados, que delegação receberam de todos e de cada um (e isto não é o menos importante, por ser uma decisão individual e com enquadramento no tempo e nas circunstâncias, singular) para poderem assumir essa decisão?

Ainda por cima não foi feito num ambiente de normalidade, acelerando o processo no meio do caos pandémico em que caímos?

Dada a raiz da decisão ser claramente individual, não é esta condição essencial para, criteriosamente, ser decidida por um referendo?

Ou, mesmo sem conceder, por cuidadosa e aprofundada discussão dos programas dos partidos em que a posição de cada um seja inequivocamente assumida e posta à escolha dos portugueses?

Voltarei ao tema. Até sempre,

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990