Opinião

Adivinhações

6 jan 2022 15:45

Elegem como principais inimigos os que lhes estão próximos, repetição de uma cegueira coletiva já vista noutros tempos

No início de um novo ano somos sempre agraciados com um sem-número de adivinhações, toda uma sorte delas e ao gosto de cada um.

Há os que preveem o futuro pela conjugação dos astros, nas folhas do chá, nas borras do café, no voo das aves, pela análise dos números, extrapolando os primeiros doze dias do ano para os meses que seguem.

Há também outros que se presumem mais concertados com a razão perorando sentenças, convencidos que estão que o mundo lhes obedecerá, sendo estas previsões do futuro lavra dos analistas políticos, desportivos (mas só no futebol), socias e afins, bem como as sondagens assentes em elaboradíssimas análises estatísticas.

Gosto em particular destas últimas porque me recordo sempre das sensatas palavras da minha professora, proferidas em jeito de apresentação da cadeira, quando dizia que “há três tipos de mentiras: as pequenas mentiras, as grandes mentiras e a estatística – e são por esta ordem!”.

Os meus dotes de adivinhação sempre se pautaram por um método mais artesanal e modesto, pelo que tento sempre adivinhar o futuro no código de barras do pacote de cereais ao pequeno-almoço.

O resultado é muito consistente porquanto se repete dia após dia, o que me leva à tentação de mudar de marca só para ver se a coisa se altera.

Este ano gostava mesmo de tentar uma coisa diferente. Ando a pensar pedir emprestada a coelhinha Acácia ao senhor Ventura e experimentar adivinhar o futuro pela análise concisa e atenta da ordem geométrica das suas caganitas.

As da coelhinha, claro!, que os excrementos do dono não são para aqui chamados, embora os regurgite profusamente pela boca sempre que tem um microfone a jeito e uma câmara de televisão por perto.

Mas pelo modo efusivo e carinhoso como a exibe não creio que a empreste, muito menos a mim que estou nos antípodas do seu pensamento o que faz de mim uma pessoa que não é de bem.

Sem necessidade de oráculos, temos por acertado que daqui a uns poucos de dias iremos escolher de modo livre e democrático os deputados que nos representarão na Assembleia da República.

Alguns deles, com ar descomprometido e como que por acaso, já se têm exibido pela nossa praça, distribuindo sorrisos afivelados e toques de cotovelo pelos transeuntes a quem tratam pelo nome próprio num arremedo de familiaridade, sendo que não fazem ideia de quem estão a saudar, mas cujo nome lhes foi soprado pelo militante local de serviço.

Fazem-nos sentir próximos quando aquela televisiva criatura nos parece reconhecer, e quase somos levados a crer que lhe somos importantes e que os nossos reais problemas ficarão plasmados nos discursos que, por acaso, foram redigidos em gabinetes a mais das vezes bem distantes da realidade que dizem representar.

Curioso e comum é o facto de sempre apontarem como único causador da nossa desgraça e descontentamento quem, ao momento, detém o poder da governação.

Naturalmente que as suas propostas são sempre contrárias ao quem tem sido feito, apresentadas como soluções para todos os desaires e satisfação imediata dos interesses individuais dos eleitores.

Elegem como principais inimigos os que lhes estão próximos, repetição de uma cegueira coletiva já vista noutros tempos em que se desuniram os democratas dando palco e ênfase aos arautos da destruição da democracia.

Tal como muito bem disse Marcelo Rebelo de Sousa temos que cuidar dos que vivem no “passeio sem sol, na rua da nossa vida comum”.

Pelo bem de todos, entendam-se!

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990