Economia

Faltam jovens nas profissões tradicionais

16 mai 2019 00:00

Trabalhos como os de pedreiro, carpinteiro, ou canalizador estão cada vez mais nas mãos de profissionais séniores. Os jovens fogem destas áreas, pouco valorizadas socialmente. Afinal, “nenhum pai quererá ter um filho pedreiro em vez de engenheiro

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Raquel de Sousa Silva

Se for “bom profissional”, um pedreiro ganha actualmente um ordenado “claramente recompensador”, “acima da média salarial do País e mesmo superior ao de muitos licenciados”.

Contudo, esta é uma das muitas profissões ditas tradicionais que não conseguem atrair jovens. O facto de ser socialmente pouco valorizada ajudará a explicar a situação.

Por outro lado, depois de 12 anos de percurso escolar, os jovens terão expectativas muito diferentes das que tinham os seus progenitores.

Paulo Silva Santos, presidente da associação Aricop, reconhece que “a valorização social” da profissão de pedreiro “é diferente” da de outras actividades.

Mas considera que é preciso mudar mentalidades, pois “não há desempenhos que não sejam dignos, honrados ou socialmente relevantes”.

Para o dirigente, o sector da construção irá enfrentar constrangimentos decorrentes do facto de nos próximos dez anos a geração mais experiente abandonar a actividade e não haver jovens que substituam esses trabalhadores.

Contudo, como os processos “não são estáticos” e têm surgido métodos alternativos, estão a aparecer profissionais que, não tendo as características de base dos chamados pedreiros tradicionais acabam por aplicar outros materiais. “É por essa porta que parte dos mais jovens entram”.

Pedreiro, carpinteiro, canalizador, pescador, electricista, serralheiro ou costureira são algumas das áreas em que escasseiam jovens. Também os agricultores são uma classe cada vez mais envelhecida, embora esta actividade esteja a conseguir atrair pessoas mais novas.

Jovens maioritariamente oriundos de famílias com ligações à terra, que desde cedo sentem gosto pela agricultura e que vêem na área uma saída com futuro.

“Todos querem ser doutores. Ninguém quer trabalhar numa fábrica. Os jovens que cá aparecem dizem que têm o 12.º ano e querem trabalhar no escritório. Não querem sujar as mãos”, lamenta Luís Coito.

O administrador da Trofal, fábrica de calçado da Benedita, onde o trabalhador mais novo tem 30 anos, refere que à medida que os mais velhos se reformam não há jovens para os substituir.

“Há 20 anos, ainda havia jovens com 16 ou 17 anos a querer vir aprender. Hoje não”. Para o empresário, “a culpa é do sistema de ensino”, porque já não há cursos técnicos.

“O resultado está à vista. Depois de 12 anos na escola, ninguém quer sujar as mãos. Mas, em algumas profissões, os trabalhadores irão ganhar mais do que muitos doutores, porque não haverá quem as queira”. Actualmente, exemplifica, na indústria do calçado, um técnico de modelagem pode auferir mais do que alguns licenciados.

Também Arménio Carreira frisa este aspecto. “Como não vai haver quem as desempenhe, algumas profissões irão a curto prazo ter salários mais elevados do que os dos licenciados”. O responsável pela Impact Kuizin, empresa de mobiliário de Leiria, colocou há uns meses um anúncio a pedir um carpinteiro. A pessoa mais nova a responder tem 40 anos e foi contratada.

Tal como no caso dos carpinteiros, “é difícil” encontrar um jovem electricista ou canalizador. “As escolas não os puxam para esses cursos. Ninguém quer. Nem os pais os querem nessas profissões, por isso não os incentivam”.

Para o empresário, que aos 16 anos começou a aprender a profissão de carpinteiro e se especializou em entalhe, “não há valorização social dessas profissões”, pelo que “todos querem ser doutores e engenheiros”.

Além da “pouca aposta na dignificação da profissão” de pescador, Rui Vaz, coordenador regional do Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar, aponta outros factores que poderão explicar o afastamento dos jovens desta área. “Ser uma profissão de risco e não garantir um rendimento fixo”.

Lembra que, quando há paragens na actividade, os pescadores “recebem pouco mais do que zero”. Com esta “falta de estabilidade” económica torna-se difícil, por exemplo, pedir um empréstimo. “Um joven que não tenha um rendimento fixo não consegue aceder ao crédito”.

Dos vários cursos ministrados pelo For-Mar, o de pescador “é o menos procurado”. Por outro lado, há um desfasamento entre o número de inscritos e o daqueles que efectivamente realizam a formação (os cursos para acesso à categoria de pescador têm a duração de 200 horas e decorrem tanto em horário laboral como pós-laboral). “Aquando do início da formação, muitos dos inscritos já não demonstram interesse na sua frequência”.

Rui Vaz exemplifica: este ano, dos 19 inscritos para um curso em Peniche (a inscrição mais antiga era de Março), apenas dez mantinham o interesse quando se quis dar início à formação, no final de Abril.

“O que por vezes se verifica é que entre a data em que se inscrevem e o início da formação conseguem outras ocupações laborais pelas quias optam, apesar de nós iniciarmos cursos desde que exista um número mínimo de 12 no caso do pescador”, explica o coordenador regional do For-Mar. “Depois existirão outras razões conjunturais, como por exemplo a atractividade da profissão, ou haver maior ou menor oferta de outros empregos”.

Os dados facultados ao JORNAL DE LEIRIA por este centro de formação mostram que nos últimos três anos, no pólo de Peniche, as inscrições caíram bastante. Assim, se em 2016 se inscreveram 113 candidatos, no ano passado foram apenas 57. Contudo, a percentagem dos que concluíram foi maior no ano passado: 61,4% (35 pessoas), contra 51% (58 formandos) em 2016.

Também no pólo da Nazaré o número de inscrições nos cursos para acesso à categoria de pescador tem caído: 48 em 2016, 31 no ano seguinte e 28 em 2018. Os que concluíram foram, pela mesma ordem, 32,

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