Opinião

Paixão da História, paixão da vida

14 dez 2019 15:58

Eis-nos de novo aqui, tão rapidamente, mais do que da última vez; mas, sim, pela última vez, pelo menos por este ano.

A vontade, nesta quadra, é de partilhar alegremente consigo, estimado leitor, um pouco do entusiasmo romanesco que, ao virar da esquina do fazer história, me assaltou, deixando-me umas ganas irreprimíveis de largar o ofício de historiador e mergulhar nas profundas águas da vida de ontem, não diferente, afinal, no que mais importa, da de hoje.

Há dias, estando de volta de migalhas documentais sobre vitralistas que trabalharam em Portugal no século XVI, ao cabo de uma longa ausência destas matérias, deparei com parte de um processo aberto pela Inquisição de Lisboa a um tal Nicolau Roque Hans, em que se diz que é “vydreyro e pimta vidraças”, oriundo dos Países Baixos do Norte mas por cá estabelecido.

Fora preso a 2 de novembro de 1556, com a bonita idade de 20 anos.

Os insultos que prodigalizara a dois frades franciscanos valeram-lhe a prisão e a sua origem geográfica a suspeita de ser protestante. Pela confissão registada, já no ano a seguir (passou, pois, o Natal no cárcere), fica-se a saber muito pouco da sua vida – o suficiente, porém, para nos luzirem os olhos e a imaginação.

Tanto quanto o jovem Nicolau se lembrava, tinha chegado a Lisboa cerca de oito anos antes. Era um menino acabado de entrar na adolescência. Após alguns meses em casa do tio, Roque Hans, pintor, também ele flamengo, "foi para a batalha onde esteve em casa de Antonio ataqua oito meses e da hi se foy para Thomar onde estaryam tres meses e se tornou depois para sua terra".

Uma outra migalha, de há muito minha conhecida, fala-nos de trabalho substancial no Convento de Cristo pago ao vitralista régio da oficina da Batalha, este António Taca, em 1550.

Temos razões para acreditar na sinceridade da confissão, mas sobram as perguntas e uma simpatia particular por este menino que aterrou num país desconhecido, em que teve de começar a fazer-se homem, longe da família.

Só pode ter sido um modesto ajudante, mas porque voltou para a sua terra? Queremos acreditar que este começo foi importante para o seu ofício futuro. Terá regressado à Batalha?...