Opinião

O valor do património não se compara, estúpido!

3 jun 2022 15:45

Pinturas de Hopper e Pollock há muitas, mas que Mosteiro da Batalha, por exemplo, só há um

Eu sei. As comparações podem ser absurdas.

Normalmente acarretam juízos de valor que deixam mal quem as faz. Por isso não me atreverei a fazê-las.

Há uns anos encontrámo-nos com Carol Neves, gestora do Smithsonian Institution, instituição de renome mundial que congrega 17 museus e galerias em Washington DC.

Revelou-nos na altura - e ficámos de boca aberta, devo dizer - que o seu orçamento anual era de cerca de 1000 milhões de dólares.

Como comparar com o caso português e com os 150 milhões de euros que o PRR reservou, em boa hora, para a requalificação de 40 equipamentos culturais, monumentos, museus e palácios?

Mais vale passar ao largo com o bom argumento de que são realidades tão diferentes e diferenciadas que é absurdo compará-las.

Como será despropositado comparar esses 150 milhões de investimento no património, com os 160 milhões que o Novo Banco parece ter perdoado a Luís Filipe Vieira e, ainda mais absurdo, comparar com a dívida de 800 milhões que Joe Berardo terá deixado aos contribuintes portugueses e que nunca mais será recuperada.

Sempre será caricato comparar, e por isso não o farei, os 150 milhões de investimento no património nos próximos três anos com os cerca de cinco mil milhões investidos na TAP nos últimos anos, assim como nunca me atreveria a comparar esse valor com os 7, 10, 15, (quem sabe quantos?) mil milhões que a falência da banca já nos consumiu, em pouco mais de 15 anos.

Eu nunca teria coragem de fazer esse exercício demagógico de dizer, no final de simples contas de dividir, que cinco mil milhões de euros é o equivalente ao orçamento da Direção-Geral do Património durante 83 anos…

Até porque nem se pode comparar o valor do património por aquilo que o seu orçamento permite investir.

Os 17 serviços da Instituição Smithsonian de Washington DC valem muito mais que os museus, palácios e monumentos sob a alçada da Direcção-Geral do Património Cultural e das Direcções Regionais?

O valor do património, valha-nos esta constatação, depende muito do seu valor intrínseco, mas sobretudo, do valor afectivo que tem para as pessoas e comunidades que dele são herdeiros e protectores e com ele se identificam.

Que justificação de bom senso me permitirá apresentar este argumento básico?

Que pinturas de Hopper e Pollock há muitas, mas que Mosteiro da Batalha, por exemplo, só há um...

O que talvez nunca seja absurdo afirmar, porque se constata, é que uns investem mais na conservação e salvaguarda do património que outros; uns têm mais capacidade de novas aquisições que outros; que algumas comunidades são mais sensíveis ao mecenato e patrocínio patrimonial do que outras.

Finalmente, como não poder deixar de constar que quando só se gasta para um lado, necessariamente faz falta ao outro?

E que um país remediado não deveria poder dar-se ao luxo de reiteradamente, independentemente dos governos que governam, esfumar biliões em investimentos e negócios ruinosos.

Somente porque desperdiça os seus recursos, porque hipoteca o seu percurso de desenvolvimento e a credibilidade de quem é conivente: a própria democracia.

Valha-nos o património, porque é coisa de futuro!