Opinião

O realismo de David Fonseca

19 jul 2018 00:00

David Fonseca tem, portanto, a sua razão e uma experiência pessoal que lhe dá força, pois como jovem músico em Leiria foi obrigado a encontrar apoios privados para ensaiar e criar as músicas que, na altura, lançaram os Silence4.

Em entrevista nesta edição do Jornal de Leiria, David Fonseca manifesta a opinião de que “Leiria não tem hipóteses de ser Capital Europeia da Cultura”.

Esta declaração do músico leiriense, o mais mediático artista desta região, não será, certamente, a que os promotores da candidatura gostariam de ouvir, mas não causará tanta surpresa quanta a que Raul Castro provocou quando tornou pública a intenção de Leiria em se candidatar.

Isto porque, analisando friamente, sem a interferência emocional que o amor à cidade possa causar, a verdade é que nunca Leiria teve uma política cultural séria e coerente. Ou seja, nunca se percebeu que a cultura fosse uma prioridade dos dirigentes políticos que comandaram e comandam os destinos da autarquia, fosse por falta de sensibilidade, por défice de preparação e de conhecimentos na área ou, simplesmente, por ideologia política.

É fácil perceber um pouco de tudo isso, por exemplo, na ausência de programadores culturais, no pensamento pouco arejado que levou a termos o Agro-Museu D. Julinha em detrimento de um equipamento de arte contemporânea, na amputação do auditório que daria sentido ao Centro Cívico ou no desperdício das oportunidades de termos expostas em Leiria importantes colecções de arte privadas.

Não seria possível, obviamente, que com um estalar de dedos, que é como quem diz com o anúncio da intenção em ser Capital Europeia da Cultura, tudo se transformasse e que se conseguisse recuperar anos de atraso, não tanto em equipamentos, mas mais em educação, produção e promoção culturais e, principalmente, ao nível das mentalidades.

David Fonseca tem, portanto, a sua razão e uma experiência pessoal que lhe dá força, pois como jovem músico em Leiria foi obrigado a encontrar apoios privados para ensaiar e criar as músicas que, na altura, lançaram os Silence4, ‘a banda de Leiria’, como um fenómeno nacional, aparecendo só depois disso a Câmara para as habituais palmadas nas costas e para as fotografias da praxe.

Infelizmente, de lá para cá pouco mudou, continuando o mais interessante da cultura que se faz em Leiria a ser assegurado por instituições privadas e profissionais como a Samp, o Orfeão ou a Academia Annarella, mas também por diversas associações e até grupos informais de amigos que, por ‘carolice’ e amor à causa, vão ajudando a que, com apoios parcos, algo aconteça, mesmo que isso possa ser enganador e ilusório.

Temos, assim, a cidade envolvida e mobilizada num objectivo ambicioso e de elevada exigência, mas a tentar alcançá-lo para lá sobre pés de barro, pés esses que se vão segurando à custa da paixão, muito voluntarismo e grande espírito de iniciativa, mas constantemente em risco pelo défice de profissionalização, falta de condições e pouco dinheiro.

*director