Opinião

Nestas eleições já sou velha e depois?

11 set 2021 15:45

Dava-me muito jeito que, na atualidade, o olhar sobre os velhos fosse inspirado no Confucionismo

Confesso! Apesar de me sentir cristã por causa da existência, nesta minha religião, de igrejas e pregadores, muitas vezes mais parecidos com anticristos, responsáveis por tantos dela se afastarem, dava-me muito jeito que, na atualidade, o olhar sobre os velhos fosse inspirado no Confucionismo.

Sem igrejas todos andaríamos a tentar atingir o Tao, “a harmonia da vida e do mundo”, e os mais velhos da família seriam olhados e respeitados como sábios tão só por saberem e poderem contar da vida aquilo que os outros ainda não sabem!

Lembrei-me disto porque de visita à cidade da minha infância olhei do jardim, onde tantas vezes brinquei, para a então casa da família e recordei o profundo respeito e o imenso amor que todos tínhamos pela avó.

Uma avó que nunca cavou as suas terras, que nunca precisou de lavar as roupas da casa, tomar conta dos netos ou cozinhar para a família, mas que nos mostrou o valor do bem e como fazer para sermos, no futuro, obreiros da “harmonia da vida e do mundo”.

Quase tenho a certeza que hoje a sociedade, influenciada pelo neoliberalismo e respetivos pregadores, olharia para a minha velha avó como um dos seus males numa “condição abjeta para o mundo”.

Em suma, um inadmissível agente não produtivo só útil para os mercados se, e só se, passasse à condição de utente de uma qualquer cadeia de “lares para idosos”. Oh, como se enganam!

Lembro-me de como a atitude serena e firme da minha avó nos ajudou a continuarmos sem medo na luta pela liberdade depois de numa madrugada a PIDE nos ter entrado em casa para obrigar um dos nossos, professor de geografia no liceu da cidade, a apresentar-se, logo no dia seguinte, no liceu em Bragança.

Segundo os execráveis pides, um pequeníssimo castigo apenas para lhe recordar não ser tolerável tomar café com um advogado conhecido no meio como opositor às políticas de Salazar!

Para que eu compreendesse o que se estava a passar a minha avó contou-me como se fosse uma história, a história com um fim feliz das lutas travadas pelos republicanos para derrubar a monarquia.

Falou-me de Ghandi e das várias formas de se resistir a quem nos oprime. Gostei de saber que o meu avô era republicano, e que o nascimento da minha mãe foi no registo alterado de trinta para trinta e um de janeiro para que em casa, a “Revolta de 31 de janeiro de 1891” fosse sempre comemorada!

Mas, e regressando ao presente, da casa onde fui criança desvio o meu olhar para o largo e observo os cartazes dos candidatos às próximas eleições autárquicas e imagino-me a conversar com a minha avó.

Interrogo-a sobre em quem vai votar, mas ela não me responde! Incomodada, diz-me que o voto é secreto, mas leva-me a recordar a imprescindibilidade de valores como a honestidade, o respeito, a bondade, a honra, a confiança, a liberdade e a solidariedade serem visíveis no perfil do seu candidato.

E não se fica por aí, recorda-me que, como ela, também eu já sou velha e que o ato de votar, que ela nunca pôde exercer, se traduz num valor que, digamos, “se está nas tintas” para a idade.

Claro que descobri em quem ela iria votar! Ela lá e eu cá, ambas votaremos em busca do bem ou do Tao, isto é, nos candidatos da mesma “cor”.

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990