Opinião

Liberdade e cancelamento

20 fev 2021 12:49

Lembro-me bem de uma longa e importante conversa que tive com um grande amigo, que me fez ver que a minha sacrossanta liberdade para ofender, num determinado contexto social, dita muitas vezes a diferença entre a segurança e a insegurança de pessoas LGBTIQ+.

Há uma questão de Direitos Humanos com que me debato há anos e para a qual ainda hoje não tenho solução.

A verdade é que ninguém ainda a resolveu realmente, mas no contexto “twilightesco” em que estamos constata-se que quem defendia uma coisa, agora defende outra (às vezes sem se aperceber das duas próprias contradições).

Falo, pois, da liberdade de expressão e dos seus limites.

Eu não devia dizer isto assim, é verdade, mas se alguém disser que os DH são todos igualmente importantes, é sabido que isso não passa de chavão teórico.

Em sociedades capitalistas, os direitos civis têm tendência a ser melhor defendidos que os económicos, sociais e culturais.

Por exemplo: o direito à habitação constitucionalmente previsto não está inteiramente cumprido na nossa sociedade, porque, nela, o direito à propriedade privada é mais defendido e garantido.

Da mesma forma, a liberdade de expressão gozava de uma sacralidade intocável.

Mas essa sociedade capitalista tem também tido os seus laivos sociais-democratas, e até socialistas, o que põe mais a nu a complexidade da interdependência dos direitos.

Lembro-me bem de uma longa e importante conversa que tive com um grande amigo, que me fez ver que a minha sacrossanta liberdade para ofender, num determinado contexto social, dita muitas vezes a diferença entre a segurança e a insegurança de pessoas LGBTIQ+.

Não posso, também, deixar de sorrir amargamente ao constatar a triste ironia de que no Portugal de 2021 é a extrema direita bafienta e preconceituosa que defende com mais afinco este direito absoluto a falar (só em algumas coisas, claro!), contra o papão do politicamente correcto.

Contenho em mim forças para ver validade nos argumentos de um RAP e de uma Câncio, por exemplo, porque sei que o que ambos defendem no seu âmago é que nos entendamos, aceitemos e respeitemos todos.

Mas estamos a chegar a um ponto onde todas estas questões, em contextos mais… rasos, são usadas como armas de arremesso, para gerar discórdia, chegando a píncaros tão absurdos como “cancelarmos” velhos do Restelo por fazerem comentários machistas ou ficarmos impávidos e serenos enquanto professores que dizem verdades em salas de aulas são alvos de petições absurdas, chegando ao ponto de ser ameaçados de morte.

Andamos a correr sérios riscos de deitar tudo a perder, e eu... continuo com as mesmas dúvidas.

Continuaremos a conseguir discordar uns dos outros, no futuro?