Opinião
Letras | Contos Camilianos – inspirados em Camilo
Vale a pena ler – para não esquecer Camilo
“Não esquecer Camilo.” (escreve G. de Oliveira Martins nas suas belíssimas crónicas literárias) “Passam por estes dias duzentos anos sobre o nascimento [16 de Março de 1825] do extraordinário cultor das nossas língua e literatura, sendo tempo de não o esquecer.”
Parece-me, porém, que pouco se fez este ano para “não esquecer Camilo”: algumas palestras e poucas exposições; a tímida chamada à visita à Casa de São Miguel de Seide (com a Sala de Exposições Centro de Estudos fechada ao público); o MU.SA de Sintra com a renovação da sua velha Sala Camiliana que há muitos anos conheci no Palácio de Valenças; o esforço de alguns livreiros para reedição de algumas obras e pouco, pouco mais.
Chegou-me às mãos um livrinho – sem grande aparato – uma caricatura de Camilo com o seu farto bigode, com o título Contos Camilianos seguido por nomes de cinco autores conhecidos, ilustrado por João Fazenda e com um completíssimo prefácio assinado por José Cândido de Oliveira Martins. (Bertrand Ed. 2024)
A colectânea inicia-se com o conto “Como vinho em garrafa destapada”, de A. M. Pires Cabral (1941), narrado por Ana Plácido “já em idade avançada, mulher solitária, que sente a falta de com quem dialogar”. Em tom de solidão e de queixume, relembra quem ela foi e quanto amparou Camilo, a “senilidade” deste aos 65 anos, as suas dores, a sua impaciência, os problemas dos filhos: um “monólogo autoficcional, de quem medita consigo própria” que em pouco mais de vinte páginas narra toda a sua difícil existência com Camilo.
“A personagem que Camilo esqueceu”, de Ana Margarida de Carvalho (1969), o mais estranho dos contos: muito ao seu estilo, próximo do gótico e na esteia de algumas personagens de Camilo, fala de uma “figura oblíqua” enigmática, que vive esquecida no galinheiro de um Recolhimento das Órfãs no Porto.
Depois de escrever o extraordinário “Camilo Broca” (2006) e um dos contos da maravilhosa colectânea “Triunfo do Amor Português” (2004), Mário Cláudio (1941) assina aqui o “Concerto de Amadores” em que fala de uma viagem do casal a Lisboa narrada alternadamente pela “cuidadora” Ana e pelo queixoso e hipocondríaco Camilo.
A convite da Teresa Martins Marques (TMM), Nando Leandro (Rio de Janeiro, anos de 1950) escreve “Vingança”, conto que vagamente referindo o livro O Carrasco de Vitor Hugo José Alves (1872) nos leva a um Brasil de 1877 com as questões das alforrias e não alforrias dos escravos, dos meios-irmãos brancos e mulatos – conto de violência, de amor e de liberdade.
Por último, TMM (1960) traz-nos “O bicho-de-conta” narrado por Camilo que, adivinhando o seu fim, relembra toda a sua vida de constante desassossego. Num momento em que se encontra cismando debaixo da acácia da casa em Seide, nota um bicho-de-conta que lhe lembra a menina fidalga Isabel Juliana Paim, a infeliz ‘bichinho-de-conta’ (com a qual se identifica) que descreveu em O Perfil do Marquês de Pombal, o tirano que a fez sofrer e sempre odiado por Camilo.
Vale a pena ler – para não esquecer Camilo.