Opinião
Letras | Camilo Broca de Mário Cláudio
Não sendo escrito por Camilo, podia ter sido. Diz Abel B. Baptista, estudioso de Camilo, que há em MC um regresso do camilismo que também existe em Agustina
No ano em que celebramos os 500 anos de Camões, os 700 de D. Dinis, celebramos também os 200 anos de Camilo. Passe a publicidade não paga, mas, de todas estas celebrações, organizo/ámos na nossa US Sempraudaz umas boas exposições de texto e imagem.
Foi então altura de escrutinar os títulos pelas minhas estantes, onde fui encontrar o Camilo Broca do meu muito apreciado escritor Mário Cláudio, editado em 2006 (Dom Quixote), comprado em 2012 e… não lido. Imperdoável.
Na sua vasta obra ficcional – são mais de 50 anos de escrita – organizada em “trilogias”, avulta um imenso número de biografias ficcionadas de artistas e escritores vários, quase todos ligados “ao Norte celta e matriarcal” e Camilo Broca é mais uma.
Que não se pense, porém, tratar-se de uma obra sobre Camilo. Diz o camilista José Vieira que “este romance nasce de um projeto nunca concretizado por parte de Camilo com o título de Os Brocas”. De facto, é a sua tia Rita Emília que o incita a escrever sobre os seus antepassados, os Brocas, que “mataram e roubaram como é da condição da humanidade, amaram (…) e praticaram aqueles crimes que transformam as pessoas em muito mais…” dos quais ela, Rita Emília, tem os papéis que lhos pode enviar. (p. 81)
O livro, admiravelmente tecido e escrito, e deixando transparecer (como é habitual em MC) uma aturada pesquisa, divide-se em três partes: Os Companheiros (p. 13), em que Camilo criança narra a morte do pai, Manuel Joaquim, a sua orfandade e a de sua irmã Carolina Rita e de como vão viver para Vila Real, junto com a tia Rita Emília. A segunda parte, Os Viajantes (p. 85), a mais longa e aquela em que, pela voz de um outro narrador, em 3ª pessoa, conhecemos os obscuros meandros de vida familiar e profissional de alguns (quase todos) bem maléficos dos antepassados Brocas desde os tempos de Filipe II até ao pai de Camilo já no século XVIII. De notar que tem o narrador o cuidado de, por cada uma das estranhas personagens que descreve, referir o tempo histórico que se move. A terceira parte, Os Sobreviventes, narrada pela irmã de Camilo, Carolina Rita, traça a história do tio Simão António, “um traste, um troca-tintas” que em nada se compara com a vida do protagonista de Amor de Perdição nele inspirada.
De grande impacto narrativo e dramático e em jeito de conclusão que nos deixa quase incrédulos, a forma como Carolina conta a história da sua vida triste, “enterrada numa terra estúpida”, entediada, mulher parideira, desencorajada poetisa e vai esboçando um retrato escabroso do Broquinha, seu irmão, o “lesma branca”, o “cepozinho” como lhe chamava o pai, falso, fingido, dado a toda a espécie de malandragens, terminando ela por nem estar presente nos funerais do “ilustre romancista”.
Não sendo escrito por Camilo, podia ter sido. Diz Abel B. Baptista, estudioso de Camilo, que há em MC um regresso do camilismo que também existe em Agustina.