Opinião

Há mais vida para além do Orçamento

1 nov 2021 15:45

As discussões sobre o OGE a que assistimos reduziram-se a uma rábula digna de um bazar marroquino

“Há mais vida para além do Orçamento”.

A frase foi proferida pela primeira vez em 2003 por Jorge Sampaio, na altura Presidente da República, discursando na Assembleia da República por ocasião da comemoração dos 29 anos do 25 de Abril, que aproveitou a oportunidade para dar vários recados ao governo de então, uma coligação do PSD/CDS-PP, entre eles o entendimento daquele executivo que o “saldo orçamental” deveria ser o objectivo central da política económica.

O sentido da frase era, de facto, criticar a política de austeridade da direita pelo que aquela frase se tornou um poderoso slogan da esquerda no combate à austeridade imposta pela coligação de direita.

Dito assim, muitos pensarão que António Costa tem “as orelhas a arder” por não ter cedido a todas as exigências dos partidos à sua esquerda em nome das chamadas “contas certas”.

Contudo, nesse discurso de Sampaio, este clarificava, segundo o jornal Público da época e cito: "O saldo orçamental é um instrumento e uma responsabilidade fundamental, mas não é o objectivo final da política económica", defendendo que "a necessidade de controlar as finanças públicas - condição da nossa credibilidade externa - é uma obrigação que requer medidas estruturais e não se faz apenas com medidas excepcionais irrepetíveis, nem com uma redução aparente do défice público".

Têm faltado nas conversações entre o Governo e os partidos à sua esquerda, precisamente, a discussão de medidas estruturais de que falava

Sampaio para que o País se modernize. As discussões sobre o OGE a que assistimos reduziram-se a uma rábula digna de um bazar marroquino.

De qualquer modo, a questão parece resolvida, embora muito mal. É mais que certo que o OGE para 2022 não passará no Parlamento e que iremos para eleições antecipadas.

Talvez em Abril do próximo ano tenhamos, finalmente, um OGE, caso não fique tudo na mesma em termos de impossibilidade de existir uma maioria absoluta de um partido ou coligação.

Esta situação é dramática para o País e para todos nós, numa altura em que estamos a sair da pandemia (esperemos que não volte!), em que estamos a sofrer uma crise energética grave, perturbações nas cadeias de abastecimento e aumento significativo do custo das matérias-primas, para além de sinais de retoma da inflação que todos esperam ser temporárias, mas nada é certo.

Caso a inflação se instale, a política monetária do BCE poderá sofrer alterações em termos de compra de dívida pública e subida das taxas de juro, com impacto nas contas públicas.

Quanto aos fundos estruturais europeus, fica seriamente comprometida a sua utilização em tempo útil exceptuando, talvez, os fundos afectos ao PRR.

Fez bem António Costa em colocar linhas vermelhas nas cedências à esquerda radical, preservando as “contas certas”, não hipotecando o futuro do País.