Editorial

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26 dez 2019 09:48

Para se inverter o caminho que estamos a levar, será fundamental uma mudança de todo o paradigma em que assenta a sociedade actual.

O ano que agora termina ficará como aquele em que os holofotes do mediatismo se focaram, finalmente, na questão dos problemas ambientais e na luta que a população mais consciente vai travando, há já longo tempo, por um planeta sustentável que possa acolher as próximas gerações.

Em termos do problema propriamente dito, 2019 pouco foi diferente dos anos que o antecederam, ficando para registo algumas manifestações da natureza que, aqui e ali, continua a dar sinais de que não tem capacidade para aguentar a pressão que os humanos lhe estão a fazer como sua forma de viver.

Entre ciclones devastadores, seca extrema, inundações, incêndios difíceis de controlar, glaciares a derreterem, cidades com ar irrespirável e calor onde era habitual fazer frio, o ano que agora termina nada teve de especial face aos que o antecederam, acabando apenas por dar seguimento ao que tem sido a norma desta época em que vivemos, em que a natureza se tem mostrado cada vez mais instável, imprevisível e agressiva.

De novo, o que tivemos foi este problema ganhar o mediatismo que já há muito justificava, entrando na primeira linha da discussão política internacional e conquistando a atenção dos principais órgãos de comunicação social, que o promoveram com exaustão, como nunca no passado.

A diferença terá estado no aparecimento de Greta Thunberg, com a causa pelo ambiente a ganhar o líder icónico que lhe faltava.

Qual Martin Luther King, Rosa Parks ou Nelson Mandela, a jovem sueca transformou-se num símbolo da luta pelo planeta, conseguindo a força, o mediatismo e a mobilização essenciais em qualquer causa.

Como diz a sabedoria popular, ‘mais vale cair em graça do que ser engraçado’, e a verdade é que uma menina com ar frágil, em idade adolescente e diagnosticada com síndrome de Asperger e transtorno obsessivo- -compulsivo, conseguiu fazer ouvir mais alto a sua voz do que os principais especialistas em alterações climáticas que vêm a investigar o problema há décadas, tendo mesmo sido considerada a personalidade do ano pela revista Time.

Nada que surpreenda numa sociedade sedenta de referências e muito dada a transformar os seus semelhantes em ícones pop, mas o importante é que, concorde-se ou não com a forma de fazer de Greta, o problema das alterações climáticas ganhou finalmente uma visibilidade proporcional à sua dimensão.

Ganha a batalha pela consciencialização do problema, a que hoje ninguém estará já indiferente, resta o mais complexo, que é encontrar soluções para o resolver e, principalmente, convencer as pessoas a aceitarem as soluções.

Sim, porque ao contrário do que muitas mensagens por vezes fazem supor, o problema não está nas palhinhas, nas garrafas de plástico nem nos cotonetes, nem tampouco se resolverá alguma coisa com o simplismo com que Greta Thunberg tem vindo a colocar a questão. É óbvio que qualquer acção, individual ou colectiva, por mais pequena que seja, é importante e será um contributo.

Mas, para se inverter o caminho que estamos a levar, será fundamental uma mudança de todo o paradigma em que assenta a sociedade actual, sendo certo que o que é necessário fazer terá impactos enormes sobre a vida das pessoas, podendo mesmo ser gerador de muita contestação e revolta das populações.

No fundo, estamos a falar de alterar radicalmente a forma como vivemos, reduzindo consumos, alterando hábitos adquiridos e abdicando de algum conforto, mas também de encontrar um novo sistema económico que, ao contrário do actual, não esteja ancorado na necessidade de crescimento constante e na oferta de novos produtos a cada ano que passa.

Se, por hipótese, todas as pessoas começassem de repente a fazer aquilo que tem sido dito ser fundamental, reduzindo o consumo apenas ao essencial, comprando menos roupa, viajando menos de avião, utilizando menos o automóvel, etc, etc, etc, não é difícil de prever os impactos que isso teria na economia global, que não estaria longe de uma hecatombe que faria a crise de 2008 parecer uma brincadeira. Inúmeras empresas encerrariam, milhões de pessoas seriam atiradas para o desemprego, as verbas para os serviços públicos cairiam, as tensões sociais aumentariam, tal como a pobreza e o crime.

A pressão dos fluxos migratórios seria, certamente, ainda maior, pois os primeiros impactos aconteceriam nos países pobres onde é produzido o que é consumido na Europa e na América do Norte.

A visão do que poderia acontecer é quase tão dantesca como aquela que se afigura se nada for feito para travar a degradação do ambiente, o que coloca a humanidade numa posição de enorme complexidade, com qualquer passo que possa ser dado a revestir-se de riscos enormes.

Ou seja, teremos obrigatoriamente de mudar a nossa forma de viver travar a degradação do Planeta, mas a forma de o fazer terá, também obrigatoriamente, de ser envolta em muito bom-senso, planeamento e diplomacia internacional.

Como nunca no passado, é necessária uma intervenção de âmbito global, com acordos que deixem de lado os interesses de cada país e coloquem a Humanidade acima de qualquer outra coisa. Talvez seja um pedido demasiado ambicioso para o ano em que vamos entrar, mas, mais cedo ou mais tarde, terá de haver uma solução para esta encruzilhada.