Opinião

Desta vez foi um choupo no outono

1 out 2022 21:45

No fim desta minha conversa, despedi-me com gratidão da querida árvore e levantei-me a sorrir

Como muitas vezes me sinto a ser aquilo a que as pessoas normais chamam de “bicho do mato”, quando assim estou, a só querer estar sozinha, faço tudo para evitar qualquer convívio social.

Sei que nessas alturas, quando me sinto obrigada a sair para participar num simples evento ou numa vulgar atividade, tal me causa um enorme desconforto.

Ora, como reconheço nessa sensação uma gritante desproporcionalidade em relação à circunstância real que a origina, sinto-a de uma gritante irracionalidade e por isso, habituei-me a contrariá-la através de uma técnica de meditação que inventei para mim: por breves minutos, sento-me num lugar calmo e sossegado e ponho-me a olhar para a Natureza; foco-me no que ela optar por me ensinar nesse momento e concentro-me nessa aprendizagem.

Sinceramente, não sei o que se passa, mas dou comigo a sair desses encontros a sorrir e em paz. É como se ela, essa maravilhosa Natureza, tivesse, de facto, enviado para o mato e não para mim o bicho irritante que até então teimava em não me largar.

Na semana passada, por exemplo, estava eu em modo “bicho do mato” quando me recordei da necessidade de, no sábado seguinte, ter de participar, em Coimbra, num evento que me iria obrigar a um convívio social que se estenderia por horas.

Ocupada de imediato pelo tal desconforto convoquei um encontro com a mãe Natureza e eis que de novo o milagre me aconteceu!

Ela trouxe-me um choupo para eu conversar e ele captou a minha atenção quando se pôs a resistir às fortes rajadas de vento com a sua imponente flexibilidade.

Assim, flexível, vi essa árvore a conseguir transformar numa harmoniosa dança os movimentos dos seus troncos que estavam a ser fustigadíssimos, com hostilidade, pelo impiedoso vento!

E acreditem ou não, eu vi o choupo sorrir para esse seu agressor mostrando-lhe ser capaz de transformar toda aquela violência do ar em movimento num recurso para facilitar e tornar menos dolorosa a caducidade das suas folhas.

Ah e depois lembrei-me!

Pois é, já estamos no outono, no meu maravilhoso outono que tanta serenidade me traz para aceitar as coisas maçadoras do outono da minha vida.

E a conversar com este maravilhoso choupo cheguei à conclusão de que se a falta de flexibilidade física é uma fatalidade que chegará a todos com a idade, a sua ausência, enquanto capacidade para compreender de forma amável e sem agressividade as opiniões e pontos de vista dos outros, tantas vezes tão diferentes dos meus, só se imporá na minha vida se eu quiser ou deixar.

No fim desta minha conversa, despedi-me com gratidão da querida árvore e levantei-me a sorrir.

Senti-me serena porque fui convidada a recordar a importância da flexibilidade na construção de amáveis relações humanas.

Estou ansiosa por usá-la, no sábado, para ver se consigo fazer como o choupo: transformar tudo o que lá for dito e feito e me “agredir” num recurso para facilitar e tornar menos doloroso não só o meu outono como também todas as estações das vidas dos meus interlocutores.

Serei capaz? Acho que sim!

Quero que a minha árvore se sinta orgulhosa de mim…


Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990