Opinião

Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: The Good Place

13 ago 2022 21:00

Depois de morrer, podemos ir para um bom lugar, criado à medida dos desejos dos habitantes, onde se descobre o sentido de Twin Peaks, ouvem todas as coisas boas que disseram sobre nós e encontramos a nossa alma gémea

The Good Place é uma série disponível na Netflix, criada por Michael Schur, dividida em quatro temporadas.

É uma comédia que aborda questões acerca do sentido da vida e propõe um cenário para o que acontece após a morte.

Depois de morrer, podemos ir para um bom lugar, criado à medida dos desejos dos habitantes, onde se descobre o sentido de Twin Peaks, ouvem todas as coisas boas que disseram sobre nós e encontramos a nossa alma gémea; para um mau lugar, um inferno de tortura com um buraco interdimensional onde panquecas comem pessoas; ou para um lugar intermédio, onde existe cerveja, mas quente, música, mas cantada pelos Eagles, e poesia, mas recitada por William Schatner.

O sistema de pontos que decide a que sítio se pertence é complexo e contabiliza todas as ações praticadas em vida.

Por exemplo, roubar um pão são 17 pontos negativos, mas se for uma baguete são 20, porque isso nos torna mais franceses.

O início da série dá-se com a chegada de Eleanor ao bom lugar, onde sabe não pertencer.

A recebê-la está Michael (Ted Danson), o Arquiteto, que lhe apresenta a alma gémea, Chidi, um professor de filosofia moral, Tahani, uma mega socialite, Jianyu, um monge budista e Janet, a assistente de Michael, uma mistura de génio da lâmpada e supercomputador.

Sabendo que não foi boa pessoa em vida, Eleanor tenta sê-lo depois da morte com a ajuda de Chidi, e é aí que começam as questões filosóficas: o que é o bem e o mal?

O que faz de uma ação boa ou má: as intenções ou as consequências?

Uma ação má é-o sempre e em qualquer circunstância, ou depende da situação concreta? Serão as escolhas que fazemos verdadeiramente livres ou determinadas por fatores que desconhecemos? Se cumprirmos uma espécie de destino, haverá responsabilidade moral?

E pode uma má pessoa tornar-se boa se as circunstâncias mudarem? De forma doseada e bem humorada, a série mostra respostas de grandes filósofos, o que a torna uma excelente ferramenta para ensinar filosofia.

O episódio 5 da T2, por exemplo, ilustra o Dilema do Elétrico, criado por Phillipa Foot: se formos condutores de um elétrico prestes a atropelar cinco pessoas, mas tivermos a hipótese de mudar de linha e matar apenas uma, o que devemos fazer?

A resposta parece óbvia, mas são introduzidas variações hilariantes que abalam qualquer certeza moral.

Em cada temporada, a série apresenta reviravoltas que levam à conclusão de que afinal bem e mal estão contidos um no outro e que o inferno, muitas vezes, podem ser aqueles de quem mais gostamos.

Perto do fim, percebe-se que o sistema que leva à condenação ou salvação dos humanos está estruturalmente errado pois, além de não permitir o aperfeiçoamento moral após a morte, não tem em conta a complexidade do mundo atual, onde cada ação tem impactos imprevisíveis.

Cabe aos seis personagens apresentar uma solução original para a pós vida.

O que conduz a outra reflexão: quando a perfeição é eterna, será perfeição? Quando a diversão dura para sempre, não deixará de ser diversão num ponto qualquer?

Nós, humanos, estamos sempre um bocado tristes porque sabemos que nada é perfeito e tudo vai acabar (até as férias), mas talvez seja isso que dá sentido à vida.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990