Opinião

A lavoura do medo - I

30 jan 2021 11:23

Ordem e segurança (e vingança pela humilhação do Armistício após a 1ª Guerra), foi o que Hitler veio propor ao povo alemão a partir da década de trinta, que o seguiu entusiasmado.

A democracia é coisa frágil. E como é tão simples deixar-se fragilizar. Basta nada fazer e esperar que apodreça por si.

Por natureza, o que todos nós apreciamos é ordem. E o que desejamos é ordem e segurança, mesmo que possamos ceder de bandeja algumas liberdades individuais, em troca desse conforto essencial à nossa vida e aos nossos.

Ordem e segurança (e vingança pela humilhação do Armistício após a 1ª Guerra), foi o que Hitler veio propor ao povo alemão a partir da década de trinta, que o seguiu entusiasmado.

Ordem, segurança e unidade, já vinha propondo Mussolini em Itália, desde meados da década de vinte.

Ordem e segurança, propôs desde logo Salazar, após quase vinte anos de uma Primeira República desregulada e, em certos momentos, anárquica. E, portanto, é muito simples abanar os alicerces da democracia.

Desde logo, porque a própria democracia, na sua essência, ao ter de respeitar as liberdades individuais, tem dificuldade em lidar com os que a põem ou possam pôr em causa. Vai pactuando, na esperança que sempre o espírito democrático prevaleça e acabe por “converter” todos os que implicitamente estão contra ela e a querem minar.

Só que a democracia, como tudo o mais, não se adquire ad eternum: depois de conquistada tem de ser “ensinada”, mantida e vivificada. Por todos, sem excepção.

As democracias fragilizam-se porque em primeiro lugar se burocratizam, porque se rodeiam de clientelas que sorvem os recursos que deveriam ser de todos; fragilizam-se em segundo lugar porque vão acolhendo e pactuando com os lobbies, os jogos de influência, a corrupção.

Fragilizam-se porque a pretexto das liberdades que lhe são intrínsecas desleixam exigências e pactuam com o facilitismo e o deixar andar. Porque se conformam com omissões, com desinteresses, com a desresponsabilização cívica.

Em terceiro lugar, quando permitem que a corrupção atinja o último reduto da sua essência – a justiça e os juízes.

As democracias pactuam com a alienação e deseducação dos media (no respeito pela liberdade de expressão). Tendem a alimentar jogos políticos de bastidores, ao mesmo tempo que dão azo ao sustento de pequenos autocratas em eleições democráticas.

As democracias banalizam os cargos políticos e deixam-se enredar pela baixa demagogia.

A democracia permite que se faça política na mesma dimensão que se gerem os clubes de futebol e os seus adeptos: sem cultura, sem sentido de responsabilidade, sem sentido crítico, só filiação cega.

As democracias esboroam-se quando os que nos representam, assoberbados nessa azáfama de jogos de bastidores, são incapazes de pensar o futuro, adiam decisões difíceis e não conseguem entender-se a longo prazo, incapazes de pensar modelos estabilizados de desenvolvimento social e económico, de ensino e educação, de justiça.

As democracias esboroam-se quando nos tornamos indiferentes e deixamos de exercer o direito de decisão. Começa aí o tempo da lavoura.

Para todos os que há muito tempo, ansiosamente, querem lavrar o terreno para o cultivo da ditadura, para o cultivo do medo e da violência.

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