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O violino do pop-rock de Nuno Flores

5 mar 2021 15:04

Música | Violinista faz parte dos Além-Mar, fundou os Corvos e popularizou Os Filhos da Nação

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Nuno Flores foi membro dos Quinta do Bill e fundador dos Corvos, The Crow e Ensemble Amadeus
DR
Jacinto Silva Duro

Não foi um dos fundadores dos Quinta do Bill, mas ajudou a criar um dos primeiros grandes sucessos da banda nascida em Tomar, no final dos anos 80.

O seu violino inconfundível entrava em acção mesmo antes de Moisés, o vocalista e líder, entoar os célebres versos "sou mal-amado/mas sei amar/o que tens para me dar".

Com a banda a saltar no palco e a contagiar o público, o violino de Nuno Flores marcava o refrão - "sinto-me tão leve que não posso acreditar/voa/voa/voa!", ao introduzir-lhe um tom folk que, nenhuma banda nacional, até hoje, conseguiu dominar com tanta alegria, vida e garra.

O violinista conta que a sua entrada na banda, que já contava com um disco gravado, foi acidental. Todos os dias passava pela parede do Conservatório, onde estudava, para ler os anúncios afixados a pedir músicos.

Ir tocar a casamentos ou fazer apontamentos em grupos e em eventos eram maneiras de fazer dinheiro extra. "Sendo estudante, costuma responder a esses anúncios, por- que os meus pais só me davam 500 escudos, quando tinha Bom ou Muito Bom nos testes."

Um dia, em 1993, um desses pedidos era dos Quinta do Bill, escrito a caneta Bic. "Queremos um violinista, masculino/feminino, para banda com disco." Nuno, que tocava em orquestras profissionais, entre elas a de Graça Moura e a da Gulbenkian, ficou preso na expressão "banda com disco".

"Eles tinham vencido o Aqui del Rock, na Costa da Caparica e o prémio era a gravação de um disco. Tinha um estilo semelhante aos 7.ª Legião, mas, mesmo assim eram desconhecidos. No segundo disco, o Moisés quis mudar o estilo e abordar o folk-rock", recorda. Respondeu, foi a uma entrevista e, com 20 anos, ficou a fazer parte da banda de Tomar.

A partir daí, a cidade de Cristo e a zona de Ourém tornaram-se a sua segunda casa. "O Moisés pedia-me para dar um toque estilo faroeste e eu lembrei-me daquela música Ó Susana para Os Filhos da Nação, o segundo disco, de 1994. Ainda não havia nada em Portugal com folk-rock ou rock com violino."

Mas Nuno Flores quase desistiu do violino, ainda na adolescência, para se dedicar-se ao contrabaixo, como o pai. Aquele aconselhou-o a tocar viola de arco, porém o violino acabou por triunfar. "É preciso tocar todos os dias. Notava que, quando ia de férias com os meus pais, quando voltava, parecia que já não sabia tocar. As mãos ficavam perras”, explica.

Os Corvos, banda de que foi fundador, apareceram quando o grupo de música clássica onde tocava com três amigos - Tiago, Pedro e Cazé - foi tocar a um casamento e um deles, Cazé, lhes disse que Rui Miguel Abreu, da editora Norte Sul, estava à procura de uma banda para fazerem um tributo "ao grupo português que mais vende", em formato quarteto de cordas.

"Foi assim que fizemos a homenagem aos Xutos, que estavam a celebrar 20 anos de carreira." O violinista recorda-se do concerto no Pavilhão Atlântico, que lhes trouxe popularidade junto do público da banda dos "comendadores do rock".

"Entrámos no concerto com receio da reacção dos fãs dos Xutos, ao verem ali quatro cromos com violinos. Mas quando começámos os primeiros acordes de Quando eu Morrer, as pessoas começaram aos gritos. Fiquei todo arrepiado."

Perfil
Filho de músico sabe tocar
Costuma-se dizer que filho de peixe sabe nadar, o mesmo, geralmente, acontece com filhos de músicos.

O avô de Nuno Flores pertenceu à Orquestra Sinfónica do Porto e o pai à Orquestra Gulbenkian.

Aos cinco anos, começou a aprender violino e aos 18 formou-se em Ciências Musicais, pela Escola Superior de Música.

Fez parte da Orquestra Sinfónica Juvenil, da Orquestra da Juventude Musical Portuguesa, da Orquestra Calouste Gulbenkian e da Orquestra Metropolitana de Lisboa.

Dividiu o seu trabalho entre a música clássica e a contemporânea, com digressões internacionais e participações em discos de artistas e bandas como os Moonspell, Rodrigo Leão, UHF, GNR, Blind Zero, Ivete Sangalo ou Carlinhos Brown.

Foi membro dos Quinta do Bill e fundador dos Corvos, The Crow e Ensemble Amadeus.

Aos 48 anos, a música continua a pulsar-lhe nas veias e o músico mantém colaborações com vários artistas e outras formas de fazer música, como demonstram as suas colaborações com vários DJ, como o DJ Vibe ou Pete Tha Zouk.

Seguiram-se versões de mais bandas e uma homenagem a músicos falecidos aos 27 anos. Seleccionaram Jimi Hendrix, Nirvana e Doors, entre outros, por serem artistas que apreciavam. Participaram n'O Monstro Precisa de Amigos, de Ornatos, e n'O Momento Final, dos Santos e Pecadores.

Chegaram mesmo a fazer a primeira parte do concerto de Jethro Tull no Atlântico. Sem baterista, Nuno perguntou ao guitarrista Martin Barre, que encontrou num corredor, se o baterista estaria disponível para os acompanhar no concerto do dia seguinte, no Porto.

"Entrámos no concerto com receio da reacção dos fãs dos Xutos, ao verem ali quatro cromos com violinos. Mas quando começámos os primeiros acordes de Quando eu Morrer, as pessoas começaram aos gritos. Fiquei todo arrepiado"

O baterista aceitou e marcou o ritmo de Smells Like Teen Spirit, dos Nirvana. Habituado a tocar com Fafá de Belém e com os Titãs, a relação com outro brasileiro, Carlinhos Brown começou também com um acaso.

Nuno estava em Agadir, Marrocos, e viu passar material de banda. Perguntou, em inglês, a um dos roadies, quem era e a resposta veio com sotaque brasileiro: "é o Carlinhos Brown, né?!" Foram apresentados, Nuno pediu para tirar uma foto e tocou o seu violino.

Acabou convidado para tocar com Carlinhos nessa noite, estabelecendo uma amizade. "Com ele, gravei a banda sonora do filme Capitães d'Areia e foi por ele que também comecei a tocar com a Ivete. Abriu-me imensas portas."

Por fim, regressado a Portugal, integrou os Além-Mar e lançou o projecto The Crow, para internacionalizar o modelo d'Os Corvos, com versões de bandas internacionais.

"Quis fazer uma homenagem aos Muse, que admiro muito, mas as autorizações não vinham." Para as conseguir, conseguiu aceder com a banda The Crow aos camarins do Rock In Rio, por intermédio de Zé Pedro, dos Xutos.

"Montámos os instrumentos num canto e começámos a tocar Starlight. O vocalista veio ouvir e meti conversa. Expliquei-lhe a situação e pedi autorização. Ele deu-nos o contacto do publisher e conseguimos! Devemos ser o único quarteto de cordas no Mundo, autorizado a tocar versões deles."