Sociedade

Martinha Henrique: “Bebés com menos de um ano não deveriam ir à praia”

4 ago 2016 00:00

Directora do serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar de Leiria refere que há cada vez mais tumores diagnosticados e lamenta a falta de comparticipação de alguns cremes e 'shampoos'

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Quais as principais patologias que atende nas suas consultas no Centro Hospitalar de Leiria (CHL)?
A dermatologia é uma especialidade com uma extensão muito grande, mas neste momento a patologia número um é a tumoral e uma parte dos tumores tem a ver com a idade. Como temos uma população cada vez mais idosa, temos cada vez mais tumores. Fundamentalmente estamos a atender tumores cutâneos, psoríase e algumas doenças inflamatórias.

Estamos a falar de tumores graves?
Temos vários tipos de tumores cutâneos. Os mais graves são os melanomas e todos os anos temos um número considerável. Nesta altura do ano aparecem mais porque as pessoas também vêem que têm lesões quando se começam a despir ou são alertados por outras pessoas que reparam. Depois temos, cada vez mais frequentes, os tumores carcinoma basocelular ou basalioma e a seguir o carcinoma espinocelular, que são tumores muito frequentes que aparecem, sobretudo, depois dos 60 anos. Quanto mais se vive mais tumores destes se tem e portanto é hoje em dia uma patologia muito frequente.

É fácil tratar?
O tratamento de todas estas situações é cirúrgico. Noventa e oito por cento dos tumores como o basalioma ou carcinoma basocelulares são curáveis pela cirurgia, portanto, é o tratamento de primeira linha. No melanoma o tratamento também é cirúrgico e o que interessa é que ele seja visto em tempo útil e que o consigamos tratar. Se tiver metastização já é um tumor de grande gravidade e com uma sobrevida pequena. Continua a ser um tumor que ou é tratado precocemente e podemos curá-lo ou então a situação já é mais grave.

Referiu que muitos tumores aparecem com a idade. Que consequências podem ter os escaldões apanhados há 20 anos?
Estamos a falar de tumores diferentes. O melanoma tem mais a ver com os escaldões e com as queimaduras solares durante a infância, adolescência e adultos jovens. Os outros tipos de tumores têm a ver com o sol somado ao longo da vida. Pessoas de pele clara que andaram uma vida inteira ao sol, como os pescadores e as pessoas do campo. São maneiras diferentes de apanhar sol, pelo que também têm diferentes consequências. A pele tem memória e essa memória pode ficar e perpetuar-se até nos aparecer alguma coisa.

Apesar de todos os avisos ainda se vêem muitas pessoas a chegar à praia perto do meio dia – mesmo com crianças – e a passarem horas ao sol. Como explica?
O sol, a praia... o Verão é muito importante para todos nós. É uma altura de férias e de descanso. O sol ajuda-nos em termos de depressão e melhora o nosso bem-estar e a pessoa deve aproveitá-lo. O importante é de facto ter atenção às crianças e aos adolescentes naquelas horas [11:30-16h], porque o risco principal das queimaduras não é numa pessoa mais idosa, mas até cerca dos 20 anos. O que acontece é que as pessoas estão de férias, logo levantam-se mais tarde. Acabam por ir a uma hora inconveniente. Agora as pessoas têm de ter muito cuidado, sobretudo com crianças, e não fazer exposições solares nesses horários.

A partir de que idade pode um bebé ir à praia?
Bebés com menos de um ano não deveriam ir à praia, pois não de eriam ser expostos à radiação directa. Uma coisa é andar a passear ao fim do dia, agora a exposição directa não, porque o bebé tem uma pele muito frágil e mesmo estando debaixo de um chapéu, a areia emite radiação por reflexão, portanto acaba por se apanhar sempre alguma radiação ultravioleta.

O factor dos protectores solares marca mesmo a diferença?
O factor de protecção 20, 30 ou 50 tem a ver com a dose de eritema mínimo. Isto é calculado em laboratório e significa que, por exemplo, se uma pessoa levar dez minutos a ficar vermelha sem aplicar nada, com o protector serão 50 vezes os dez minutos. Claro que uma pessoa de fototipo claro fica vermelha muito mais rapidamente do que uma pessoa de fototipo 3 ou 4, que são pessoas que bronzeiam com mais facilidade. No geral, o mínimo que se deve usar é um 30 e a maioria das pessoas pode pôr o factor 50 sem qualquer problema. Essa ideia de que não põem protector porque assim não bronzeiam é errada. Estamos a proteger da queimadura, não estamos a fazer nada que impeça bronzear.

Há algum tipo de pele ou alguma estratégia que permita abdicar do uso do protector solar?
Todas as pessoas devem usar protector solar, que deve ser espalhado correctamente, porque o teste em laboratório é feito em determinada quantidade. Por outro lado, deve ser colocado 30 minutos antes de ir para a praia, porque são protectores químicos que actuam por reflexão. Portanto, a pele precisa de já o ter absorvido para estar a fazer efeito. É também importante fazer protecção física: usar chapéu – o boné não protege as orelhas – e uma t-shirt, mas com protector na mesma. As cores claras protegem menos, mas provocam menos calor; as cores escuras protegem mais, mas fazem mais calor.