Opinião

Entre marido e mulher

7 fev 2019 00:00

Os brasileiros, os homens brasileiros, melhor dizendo, herdaram muita coisa má da educação assumidamente machista que todos temos tido, desde tempos dos quais já não há memória.

Mas, é no Brasil, que, agora, se iniciou um movimento conhecido online pela hashtag #meteracolher.

Temos estado todos tão preocupados (e bem) a olhar para o racismo e para os direitos das minorias na qual, se não se importam, incluo os nossos amigos animais, que só a brutalidade dos números de violência doméstica, crua no frio de Janeiro, nos desperta agora para um flagelo social, sublinhado pela impotência das autoridades policiais e judiciais.

Tudo o que se tem feito, embora substancial, quer a nível de campanhas locais e nacionais (só eu já participei em 3!), como quanto ao endurecimento das leis e da vigilância sob pressão das estatísticas e das ONG, não tem sido suficiente.

Se pensarmos um pouco, temos as estruturas e o poder para as aumentar e fortalecer, mas não temos o desenho da obra e não sabemos por onde começar. O mundo tudo desmorona perante uma vitima de violência domestica. Esta é uma vitima “especial” porque não está longe numa guerra, mas na porta ao lado. 

É uma vitima a ter mais em conta do que muitas outras, porque depressa se torna numa casualidade, num número sinistro, num estudo macabro que nos dá a conhecer aquilo que já sabemos e que temos, talvez, vergonha de admitir.

Este debate é muito pessoal, no entanto, não deve ser isso que nos impeça de “meter a colher”, porque na esquina a seguir podemos, sem saber, nos cruzar com uma mulher qualquer cuja vida foi destroçada por um companheiro logo de manhã, antes de ir levar o filho à escola.

Se é importante, como advoga muita gente, “entender” o agressor, reabilitá-lo, apurar das circunstâncias, como aliás manda a moral com que os portugueses entendem a lei; muito mais importante agora, perante tal demonstração de violência enraizada, seria passarmos a uma concreta tolerância zero.

Equipar os nossos magistrados com leis de excepção para a violência doméstica, designar um estatuto especial da vitima mas também do agressor. Para que no primeiro caso, ela desfrute de um acompanhamento profissional e solidário; e que no segundo caso, ele não consiga manobrar a lei para que a pena, já de si leve, não se torne em pena suspensa.

Ademais, criar ou reforçar nas policias que temos, uma unidade especial que se dedique apenas e exclusivamente à prevenção, investigação e repressão da violência domestica. Uma unidade especial, à americana que intimide, imponha respeito e que seja virtuosamente acompanhada por uma moldura legal que funcione, que seja concretamente exequível.

Dotar os estabelecimentos prisionais para culpados de violência doméstica de instalações e filosofias próprias que, conforme o caso, recuperem ou ajudem a corrigir o comportamento dos indivíduos. Viver e governar em sociedade é saber escolher e prioritizar. Não ter dúvidas de como, quando (já!) e porque o faz.

Ser cidadão é aceitar que se trate da psique do agressor quando ele já estiver preso e incapacitado de reincidir. Que se entenda também de vez que para os juízes da velha guarda já não há hipótese e que a sua educação conservadora, a sua cega leitura técnica da justiça não lhe permitirá condenar quem deve.

Saber e apelar, por isso, aos mais novos, magistrados ou estudantes, que façam a diferença, que vejam as suas mães, namoradas, irmãs, crianças com outros olhos que não estes poluídos por visões de agressão mesmo à nossa frente; outros ouvidos que nunca tenham ouvido um marido a bater na mulher e que possam escutar,  entender melhor os apelos do que nós, educados no entre marido e mulher, alguma vez o fizemos.

Falo sempre de mulheres pois são elas que constituem 90% dos casos de violência domestica em Portugal. Todas as teorias de recuperação do agressor, de fazer politica legislativa, tudo quando não seja imediato, devem ficar para depois de prender quem faz mal, para depois de vigiar quem está sinalizado, e de proteger quem está em perigo.

É só isso que interessa. Não é critério, nem ideologia do que se precisa agora mas armas para combater uma vaga de crime.

*músico e líder dos Moonspell