Sociedade

Do chefe da estação ao rosto da CP, as vidas que se cruzam em Leiria

24 nov 2016 00:00

Comboios: António Ribeiro e Nuno Ferreira são filhos de ferroviários e a paixão pelas locomotivas e carruagens corre-lhes nas veias.

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Queria ser piloto de aviões, por ver os jactos a rasgar os céus, ao redor de Monte Real, mas os comboios estão-lhe no sangue e definiram-lhe o destino. Filho de ferroviários, António Ribeiro é a voz que se escuta quando uma nova composição se insinua no horizonte: "Atenção senhores passageiros, dentro de momentos dá entrada na linha número um o comboio regional com destino a Caldas da Rainha. Efectua paragem em Marinha Grande, Martingança, Valado de Frades e São Martinho do Porto".

Na Estação de Leiria, inaugurada há 129 anos, trabalham hoje sete pessoas: três graduados (operadores e controladores de circulação), três braçais (manobradores) e o funcionário da bilheteira. São eles que asseguram o serviço regional, inter-regional e urbano de passageiros prestado pela CP com o suporte da Infraestruturas de Portugal (IP): três comboios no sentido Norte que ligam a Coimbra e terminam na Figueira da Foz, mais seis comboios diários para Sul que seguem até Caldas da Rainha (dois deles), Lisboa Santa Apolónia (outros três) e Mira-Sintra Meleças (um). E é assim a rotina – como o transporte de mercadorias já não se faz, a vida no edifício passa por nove horários diários e um café com revistas, totobolas e jornais do dia.

O rosto da CP em Leiria é Nuno Ferreira, 37 anos de idade, também ele filho de ferroviário, no caso, um dos manobradores adjudicados à Estação. Trabalham juntos há 16 anos e ao longo deste período de tempo Nuno tem estado na bilheteira todos os dias úteis, actualmente a funcionar entre as 9 e as 18:15 horas, com intervalo para almoço das 12:30 às 14 horas. 

"Sempre houve aquele bichinho dos comboios e quando surgiu a oportunidade juntou-se o útil ao agradável", explica-nos. "Tinha acabado há pouco tempo o 12.º ano, apareceu aqui uma vaga e candidatei-me". Na CP é comum os filhos seguirem as pisadas dos pais – ou era, antes de as admissões na empresa pública sofrerem condicionamentos. Nuno Ferreira tem a inevitável pista de comboios em casa – "ocupa muito espaço e fica guardada na caixa" – e mesmo de férias não foge ao apelo do coração: "Há sempre aquela curiosidade quando vamos a cidades estrangeiras, a estação ferroviária é um ponto turístico", revela.

Pouco mais velho, António Ribeiro, que queria ser piloto de aviões, é hoje, aos 44 anos de idade, o equivalente a chefe de estação. A designação já não se usa, mas as tarefas são as mesmas: conceder avanços, dar partidas e orientar o serviço dos manobradores. Tudo por telefone, porque este troço da Linha do Oeste é dos últimos em Portugal sem electrificação. O risco de erro humano é maior e a responsabilidade também.

Natural da Gândara, António Ribeiro ingressou na profissão em 1997, como manobrador, na Martingança, onde se manteve, com um intervalo de oito meses em Pombal, até transitar para Leiria, em 2007, já como operador de circulação. Mas na verdade tudo começou muito antes, na infância, durante as viagens de comboio no Douro para visitar familiares e certamente por influência dos progenitores, já que o pai é manobrador e a mãe foi guarda durante décadas. "A casa onde vivi até aos 15 anos fazia parte da passagem de nível, eu vivia mesmo ao lado da linha", descreve o funcionário da IP.

Num posto como o de Leiria, que parece encalhado entre o passado e um futuro incerto, há tranquilidade e tempos mortos na rotina, claro. Mas também momentos de stress, como aqueles em que ocorrem acidentes e descarrilamentos. António Ribeiro já passou por quatro atropelamentos e um descarrilamento – este último já este ano, na Regueira de Pontes, sem vítimas. Antes de chegar ao sector ferroviário, o chefe de estação trabalho na indústria de moldes e de caixilharia. Mas, como ele próprio diz, nos comboios respira-se liberdade e às vezes os horizontes são mais largos do que a vista alcança: "Sou pássaro que não gosta de gaiola".

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