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Conor Coughlan: técnico de efeitos especiais: “Burocracia e impostos são problema para a atracção de grandes filmes”

4 mar 2016 00:00

Natural de Dublin, República da Irlanda, Conor Coughlan, 47 anos, divide o seu tempo entre a aldeia a dois passos de Pombal onde mora com a família e o mundo do cinema

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Jacinto Silva Duro

É um especialista em efeitos especiais para o cinema e televisão que já trabalhou com várias estrelas e realizadores de Hollywood, incluindo Alejandro Iñarritu, que venceu o Óscar de melhor realizador, três vezes seguidas com os filmes Gravity, Birdmane The Revenant. Como é trabalhar com ele?
Trabalhámos no filme Babel, com Brad Pitt e Cate Blanchett. Colaborei na cena famosa em que uma bala atravessa o vidro de um autocarro e depois o pescoço de Cate Blanchett. Foi um dos melhores efeitos especiais desse ano e custou cerca de dez mil dólares a fazer. Tivemos de disparar uma bala de vidro muito próximo da actriz. Tivemos de mandar vir um vidro especial dos Estados Unidos da América. Fizemos a cena três vezes, num dia muito quente, em Marrocos, em que deveriam estar uns 40.º.

Aparentemente, em The Revenant, Iñarritu não usou qualquer luz artificial para iluminar as cenas.
Zero luz artificial. Eles filmavam apenas cerca de três horas por dia, porque estavam numa zona muito a norte no hemisfério onde é possível ver a aurora boreal e pode verse que eles estão mesmo numa vastidão selvagem. Para filmar sem iluminação, além da luz natural, as necessidades técnicas são muito complexas. Não podiam, por exemplo, usar câmara com película. Há coisas filmadas no luscofusco ou de manhã cedo e tinham de o fazer com câmaras digitais, porque as convencionais bloqueariam. Há uns anos, penso que em 2006, fiz um filme onde usámos as primeiras câmaras RED [digitais capazes de 6K, 5K, e 4K]. Usámo-las para os filmes do Che Guevara, com Benício del Toro, em Espanha, México e Porto Rico, e tivemos problemas com o sobreaquecimento.

Actualmente, a cena da janela no Babel, poderia ser feita em CGI - efeitos especiais - e poupar-se dinheiro?
Far-se-ia em CGI e muito mais barata. Mas o que o Iñarritu queria era captar a reacção da Cate Blanchett. O tiro poderia ter sido feito na pós-produção, mas a reacção não seria a mesma. Claro que, no Revenant, há bastante CGI e efeitos mecânicos. Por exemplo, na sequência de abertura, quando vemos uma emboscada dos índios, diria que 50% será CGI e o resto mecânico. Sempre que alguém leva com uma seta na cabeça, é CGI.

Quando vai ao cinema tenta descobrir onde estão os efeitos?
É uma coisa que é natural. O melhor efeito visual que vi no Revenant, é uma sequência mesmo no fim do ataque do urso. A câmara está encostada ao urso e à cabeça de Leonardo DiCaprio e a respiração do animal embacia a lente muito rapidamente. Foi o melhor efeito que vi naquele filme. São as coisas simples, como o actor a ser atirado de um lado para o outro ou a respiração na câmara, que são mesmo interessantes.

Neste momento, está a trabalhar em que filmes?
Vou trabalhar num filme português, do Bruno de Almeida, uma co-produção luso-americana, que vai ter vários actores da série Os Sopranos. No último ano e meio participei em vários filmes e séries de televisão. No final de 2014, fiz o Spectral,um filme de ficção científica, com Emily Mortimer e Bruce Greenwood, que vai sair no final do ano. Em Dezembro desse ano, estive em Marrocos a fazer um programa para a NBC, chamado American Odissey. Quando acabei isso, voltei a casa por seis dias e regressei a Marrocos para trabalhar com o Larry Charles, o realizador de Borat, num filme chamado Army of one, com Nicholas Cage. É uma história verídica, de um Zé Ninguém que decide ir para o Afeganistão e capturar Osama bin Laden. O Nicholas Cage é completamente louco, nunca se sabe o que ele vai fazer a seguir, e o actor que arranjaram para interpretar bin Laden, parece o verdadeiro Osama. Depois fiz o Yellow Birds, em Marrocos, uma adaptação do bestseller de Kevin Powers, sobre dois rapazes que vão para a guerra no Iraque e um deles promete à mãe do outro que vai protegê-lo. Foi um trabalho muito complexo com muitas sequências de batalha.O realizador queria uma coisa parecida com o Full Metal Jacket,com um sniper, tanques e milhares de impactos de bala. Activámos tudo por rádio e eu parecia um maestro num concerto, a dar ordens. Penso que vai estrear ainda a tempo dos BAFTA.

Vai convidar os seus amigos de Hollywood para filmarem em Portugal?
Há muitos estrangeiros que iriam gostar de cá vir filmar, mas não conhecem o País. Portugal tem os técnicos, as paisagens, o clima, a luz, o equipamento... É um território pequeno, com praias, montanhas... mas não tem incentivos fiscais para que os realizadores venham cá. Espanha, França e a Hungria têm-nos. O maior incentivo era o da República Checa com uma isenção de impostos de 25%... e isso é dinheiro que os produtores podem usar para promover os seus filmes e para a pós-produção. Se houvesse uma isenção de 35%, os filmes de James Bond regressariam a Portugal! Marrocos, onde são filmados muitos filmes sobre o Afeganistão ou Egipto, já percebeu isso. É o mais seguro dos países islâmicos. O rei é louco por cinema e a assinatura dele permite fazer coisas fantásticas, grandes cenas de acção com o apoio dos militares e com todas as condições. Em Portugal, para fazer um simples impacto de bala é preciso uma tonelada de papelada em autorizações. A burocracia e os impostos são um problema para a atracção de grandes filmes. Mas adoro filmar em Portugal.

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