Sociedade
Bárbara Costa: “Leiria tem tudo para ser uma das regiões a liderar a luta climática e ambiental”
A consultora e investigadora de comunicação e activista pela justiça climática e social, destaca a educação como base da sua consciência. Critica a comunicação superficial sobre alterações climáticas, o greenwashing empresarial e a instrumentalização do tema, defendendo mais literacia e justiça climática
Como foi que a sua consciência ambiental se constituiu, levando-a a trabalhar na comunicação, educação e sustentabilidade ambiental?
Desde criança, sempre valorizei a educação, algo que me foi incutido pelos meus pais e professores, o que me levou a dedicar-me bastante nos meus estudos, e até a afirmar, em pequena, que queria ser professora. Hoje, reconheço a sorte e privilégio que tenho, por esta influência positiva, porque como tem sido cada vez mais provado na investigação, a aposta na educação, principalmente das mulheres, é um dos factores-chave para fazer progressos em questões como a pobreza, segurança e sustentabilidade. Na adolescência, durante vários anos quis ser fotógrafa. Porém, acabei por seguir outra área, que rapidamente percebi que era a que sempre me fascinou: a comunicação. Quando comecei a estudar, na Licenciatura em Comunicação e Media, e, posteriormente, no Mestrado em Marketing e Comunicação, compreendi a imensa importância e impacto da comunicação, como prática social, comercial e política. Aliado a estes interesses, a sustentabilidade também sempre foi um tema que me chamou a atenção, inicialmente devido a temas abordados no meu percurso educativo e, posteriormente, através do consumo de conteúdo através dos media tradicionais e digitais. Foi em 2019, quando iniciei oficialmente o meu percurso profissional, que comecei a entender de forma mais aprofundada o impacto da minha área e profissão na sustentabilidade. O marketing é responsável pelo grande incentivo ao consumismo, e a comunicação, seja corporativa, social, digital ou política, influencia ideologias e a forma como as pessoas conceptualizam o seu mundo. Foi aqui que comecei a informar-me cada vez mais sobre sustentabilidade e a crise climática, e a investigar de que forma o marketing e comunicação poderiam apoiar lutas como a pela justiça climática e social, devido a uma certa responsabilidade que senti pelo peso que a minha área teve na criação destas crises. Tal como sir David Attenborough afirmou na sua primeira publicação na rede social Instagram, em 2020, “salvar o nosso planeta é agora um desafio de comunicação”. Rapidamente percebi que a educação e comunicação, principalmente nesta área da sustentabilidade, devem andar de mãos dadas. O que me levou a questões como a democratização da informação e literacia ambiental e climática, que pretendo seguir profissionalmente e no meio académico.
Como avalia o estado actual da comunicação sobre as alterações climáticas?
Na minha experiência, profissional e académica, tenho verificado um esforço, tanto por parte das empresas como pelos media, para abordar mais este tema. Inicialmente, talvez por estar “na moda” ou na agenda, mas, actualmente, é algo incontornável devido, por exemplo, à legislação existente. No entanto, o tema ainda é abordado com pouca profundidade e sem a devida importância. O maior esforço que tenho verificado tem sido da sociedade civil, da juventude e das ONG. Estes sim, têm realizado mais trabalho no terreno, e ajudado a promover comunicação e literacia ambiental e climática.
Há uma alteração na percepção e na urgência da actuação climática?
Têm sido momentos confusos. Verificámos, em 2018, um aumento da discussão do tema, devido ao movimento de Greta Thunberg, que foi essencial, principalmente para alertar e envolver a juventude para esta crise urgente, acabando por também atingir a esfera política. Porém, nos últimos, talvez, dois anos, tem-se verificado um decrescimento do foco no tema, tanto a nível político, como mediático, o que influencia, obviamente, a percepção do público sobre a urgência do assunto. O que é gravíssimo, visto que a crise climática é algo do presente e não do futuro. Os efeitos das alterações climáticas estão cada vez mais presentes no quotidiano, como mostram os graves incêndios, períodos de seca e ondas de calor cada vez mais frequentes, episódios climáticos mais fortes e imprevisíveis, subida do nível do mar, degelo, entre outros fenómenos. Tudo isto afecta os nossos Direitos Humanos, o nosso direito a uma vida digna, com saúde e segurança, e os direitos das gerações futuras. Esta mudança de paradigma poderá ter diversas causas, como o aumento da desinformação no espaço digital, o crescimento da extrema-direita negacionista, e uma falta de visão holística dos nossos representantes relativamente às diversas crises que enfrentamos - habitação, economia, saúde, educação, desigualdades sociais, clima, … tudo está relacionado. Não existe justiça climática sem justiça social e económica. A própria Greta Thunberg passou a ser retratada de uma forma completamente diferente pelos media e pelas entidades governamentais mundiais, ao começar a comunicar uma abordagem interseccional da sustentabilidade, conectando a justiça climática com a justiça social, especificamente com o genocídio que está a decorrer na Palestina. Infelizmente, isto demonstra que anteriormente estava, de certa forma, a ser instrumentalizada. Por isso é que considero que a comunicação, educação e literacia têm um papel fulcral na percepção social e política da urgência da actuação climática, ambiental e social.
Como se pode melhorar a sensibilização e mobilização local para estas questões?
Esta é a questão à qual todos os activistas, ONG, investigadores, educadores e comunicadores querem responder. A comunicação e educação têm um papel essencial, recorrendo a estratégias como a promoção de factos, mas também a humanização da causa e storytelling. Isto pode levar a maior mobilização da sociedade civil, com contribuição das suas visões, conhecimentos e tempo, algo que muitos, infelizmente, não têm o privilégio de poder dar. Tenho também percebido que é essencial aumentar o contacto da sociedade civil com os representantes políticos e com o sector empresarial, principalmente a juventude e as comunidades locais, que poderão já estar a ser afectadas pela crise climática ou vulneráveis aos efeitos futuros. O financiamento é também uma questão importante. A maior parte dos projectos de mobilização local são conduzidos por voluntários dedicados, mas não remunerados. Apesar de conseguirmos realizar várias acções de forma gratuita, a existência de incentivos e financiamento nesta área da sustentabilidade é essencial para vários projectos e ONG continuarem o seu trabalho, nas áreas de advocacy e policy, por exemplo.
Quem esteve atento às redes sociais, percebeu que, sempre que era publicada uma notícia, tanto a nível regional como nacional, sobre a acção climática, interposta por um grupo de jovens de Leiria, muitos comentários eram de censura contra uma iniciativa que, até há poucos anos, seria considerável nobre e louvável. Estamos perante um problema do emissor ou do destinatário?
Actualmente a fronteira entre emissor e destinatário é cada vez mais ténue, devido, principalmente, ao meio digital. No entanto, acho que os jovens do movimento Youth4ClimateJustice sofreram da mesma mudança de percepção que a Greta Thunberg também experienciou. Há, sem dúvida, um problema de comunicação, nomeadamente dos meios de comunicação social, que foram levados pelas ondas políticas e influenciaram a percepção do público. Mas como o “destinatário” tem, hoje, ferramentas digitais para se tornar líder de opinião, também ajudou a propagar a mensagem. E aqui volto a sublinhar o impacto da comunicação e literacia ambiental, e até mediática. O mundo está cada vez mais polarizado, incluindo o nosso País, mas é necessário que os nossos representantes entendam que a crise climática é uma crise de Direitos Humanos. É uma crise global, apartidária. Aplaudo os jovens pela coragem, por todo o trabalho realizado, pela missão e pela perseverança, ao continuarem a lutar para que este projeto não termine.
Até que ponto, no sector empresarial, se pode dizer que existe greenwashing?
Existe e muito. Muitas vezes imperceptível para o consumidor, mas está lá. Desde a criação de produtos alegadamente “sustentáveis”, à entrega de prémios de sustentabilidade a marcas em sectores como a indústria fóssil, que é a principal causadora da crise climática, meramente por patrocinarem eventos. A nível académico tenho dedicado a minha investigação a este tema. É necessário que as empresas comuniquem os seus esforços de sustentabilidade, porém, tanto as acções e a comunicação têm de ser coerentes. O sector empresarial é essencial para o desenvolvimento do País, logo é também uma peça chave para a sua sustentabilidade. As empresas não podem ver a sustentabilidade como algo que está na moda e que permite criar slogans atractivos. A sustentabilidade deve ser o presente e o futuro da empresa, e tem de ser transversal a todos os seus departamentos, numa visão holística, promovida pela cultura organizacional. Na minha dissertação de mestrado, foquei-me no paradoxo que é comunicar a Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa, delineando seis directrizes para uma comunicação eficaz. Na última investigação que fiz, foquei-me apenas em empresas de sectores de actividade considerados não sustentáveis, como a energia, transporte, retalho ou financeiro, para perceber se estas directrizes se mantinham. Fiz entrevistas a representantes de empresas destes sectores e um questionário para avaliar a percepção dos consumidores. Percebi que as directrizes se mantêm, mas as exigências e o cepticismo dos consumidores é ainda maior para com estas empresas, e a directriz da inovação deve ser mais focada na actualização do modelo de negócio. Gostaria de também estudar a aplicação destas directrizes para as entidades governamentais e ONG.
Que trabalho desenvolveu na Último Recurso (UR)?
Fui coordenadora do Departamento de Advocacy e Comunicação. Estive responsável pela criação de planos de comunicação para diferentes projetos, e a sua implementação. Por exemplo, Estado Aclimático, um caso de litigância climática contra o Estado português, relativo ao incumprimento da Lei de Bases do Clima. Nas eleições legislativas de 2024, participámos numa campanha de advocacy, com debate político focado na sustentabilidade, análise de programas eleitorais, partilha de conteúdo informativo nos canais digitais e partilha do Programa pelo Clima, criado pela UR, com a parceria de outras ONG portuguesas. Nas eleições europeias de 2024, participámos em nova campanha de advocacy, também com promoção de debate político focado na sustentabilidade e partilha de conteúdo informativo nos canais digitais. Fiz ainda parte da campanha de investigação e literacia sobre a Exploração de Lítio em Portugal, Transição Energética Justa, com foco no caso de Covas do Barroso. Participei ainda nos fóruns climáticos SB60 e COP29 e na produção de conteúdo sobre as negociações de forma a democratizar e tornar mais acessível este tipo de informação A protecção ambiental e o combate às alterações climáticas são, de um ponto de vista jurídico, defensáveis na barra do tribunal e fazer jurisprudência? Sim. E já começa a existir jurisprudência. Basta aceder à Climate Case Chart, do Sabin Center da Columbia Law School, e verificar que existem centenas de casos de litigância climática em todo o mundo. Não sou especialista nesta área, mas da experiência que tive na Último Recurso, posso dizer que é uma tendência crescente, e que, apesar de muitas vezes os casos não terem sucesso, está a criar-se um efeito de bola de neve muito importante para dar força aos activistas e incentivo para nova legislação e tribunais especializados nesta área.
Participou nos fóruns climáticos SB60 e COP29. Regressou optimista ou pessimista?
De modo geral, mais pessimista. Os resultados das negociações ficaram muito aquém do que era necessário, principalmente no financiamento climático para mitigação e adaptação, com os países do Sul Global, como sempre, a saírem muito prejudicados, visto que são os que estão a sentir os maiores efeitos desta crise e não têm responsabilidade nela em termos históricos. Mas a COP29 já tinha tudo para correr mal. Aconteceu novamente num país com uma forte indústria de extractivismo fóssil, uma presidência que, anteriormente, tinha feito comentários negacionistas e com um lobby da indústria fóssil fortíssimo. Existe agora um grande movimento de esperança na COP30 que irá decorrer no Brasil, mas já circulam notícias que nos desmotivam, como o facto de estarem a destruir floresta para criar o pavilhão do evento. É uma contradição enorme. O sistema e o comportamento humano têm de mudar urgentemente e a COP necessita, também urgentemente, de uma reforma.
No activismo ambiental, que trabalho está a desenvolver presentemente?
Nos últimos meses, tenho-me dedicado à investigação académica sobre Comunicação de Sustentabilidade e também à minha formação na área da Sustentabilidade e Alterações Climáticas, com formações, por exemplo, da WWF Portugal e do Center for Sustainable Finance, da Universidade Católica de Lisboa. Tornei-me também membro do departamento de Comunicação da Youngo, o grupo oficial de crianças e jovens da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a UNFCCC, e membro da equipa de comunicação e organização do evento LCOY Portugal 2025 - Conferência Local da Juventude sobre Alterações Climáticas em Portugal, promovido pela Youth Climate Leaders. Estou ainda em conversações com outras organizações e activistas para potenciais colaborações ou consultoria de comunicação.
E em Leiria?
Leiria tem tudo para ser uma das regiões a liderar a luta climática e ambiental. Estamos no top 10 dos municípios mais sustentáveis de Portugal e, como afirmou o presidente da câmara, Gonçalo Lopes, em 2024, “estamos, por natureza, já muito próximos do conceito da cidade dos 15 minutos” e a “criar um território onde as pessoas possam circular de forma mais fácil, segura, mais confortável, com melhor qualidade de vida, melhor ambiente e mais sustentável”. No entanto, tal como em todo o País, o foco continua a ser nos aspectos económicos e nas batalhas políticas. Não existe urgência, e isto vê-se pelo incumprimento da própria Lei de Bases do Clima. Os Planos Municipais de Acção Climática deveriam ter sido elaborados até 1 de Fevereiro de 2024, conforme o número 2 do artigo 14.º, porém, o Município de Leiria aprovou o Plano Municipal de Ambiente de Leiria e o Plano Municipal de Acção Climática no dia 11 de Dezembro de 2024. Somos mais um distrito repleto de potencial, mas levado pelas suas incongruências. Há um novo projecto de mobilidade em curso, o Leiria Smart City, mas a ferrovia desperdiçada. Temos uma Feira de Maio [Feira de Leiria] com um forte apelo à reciclagem e ao consumo da água da torneira, mas com a Prio como patrocinador oficial. Temos uma cidade com uma aposta fortíssima na componente cultural e social, mas com eventos como o Leiria Sobre Rodas e o Leiria Natal, que devem ser rapidamente repensados, tendo em consideração a crise que enfrentamos.