Opinião

A Capital da Cultura precisa de mais rua e menos gabinete

4 fev 2016 00:00

A candidatura da cidade a capital da Cultura 2027. À partida parece-me uma decisão óbvia. Depois, abro meia dúzia de artigos e a única coisa que leio é sobre a constituição do gabinete que irá trabalhar na candidatura.

É o lugar comum dos lugares comuns. Convidam-te para escreveres uma coluna mensal e parece que és sugado para um vórtice onde milhares de páginas em branco rodopiam à tua volta. A secção é Cultura e Leiria tem cultura aos molhos.

Mas não vives em Leiria há anos e não te sentes capaz de aviar postas de pescada suficientemente frescas para serem servidas à mesa. Fazes buscas. Vasculhas a pente fino o meio de comunicação onde trabalhas, porque, afinal, é internacional e tem conteúdos que nunca mais acabam e coiso e tal. Nada. Ou melhor, não consegues é perceber como dar a volta à reportagem que encontras sobre as várias organizações britânicas, francesas e gregas que estão a doar intervenção cultural aos refugiados nos campos que os abrigam por essa europa “solidária” fora.

Gente que lhes leva teatro de rua, leitura de poesia e “outros bens culturais de primeira necessidade”, porque, como diz Anna Kim, do britânico Courtauld Institute of Art, “a beleza, as artes e a expressão humana - longe de serem apenas a cereja no topo da nossa sociedade, quando todas as necessidades primárias são satisfeitas - são fundamentais para a perseverança do ser humano”. É tema para reflexão sim senhor, mas estás em modo multitasking e, descobres a meio das tais buscas que um neurocientista americano desenvolveu um estudo em que garante que os nossos cérebros não foram feitos para tal. Se és homem, pior. Diz este gajo que o QI pode baixar em 15 pontos.

“Basicamente podes transformar-te no equivalente cognitivo de uma criança de oito anos”. Concentro-me, por isso, na primeira coisa que me apareceu quando escrevi Leiria + Cultura.

A candidatura da cidade a capital da Cultura 2027. À partida parece-me uma decisão óbvia. Depois, abro meia dúzia de artigos e a única coisa que leio é sobre a constituição do gabinete que irá trabalhar na candidatura. Ocorre-me uma coisa que aprendi neste meio onde agora trabalho: “Se alguma coisa é exclusivamente criada num gabinete, não vai funcionar”.

A rua, os agentes que fazem a cultura acontecer, o público que a vai consumir, são a peça essencial do que quer que seja que venha a acontecer em 2027 em Leiria. Nestes gabinetes, a cultura já nasce com bafio.

*Director editorial VICE Portugal A Capital da Cultura