Sociedade

“O que mata não é o sismo, mas as construções em que vivemos”

18 ago 2017 00:00

Terramotos. Especialista do IPMA garante que a região de Leiria tem uma perigosidade sísmica baixa, mas alerta para a vulnerabilidade das construções em caso de ocorrência destes fenómenos.

Zonas de risco sísmico
Zonas de risco sísmico
Zonas de risco sísmico
Zonas de risco sísmico

Veja a infografia com as áreas de maior perigo sísmico na região

O terramoto “mais significativo na região nos últimos tempos” foi o que sucedeu ontem, dia 17 de Julho, com epicentro a quatro quilómetros este-nordeste de Sobral de Monte Agraço e magnitude de 4.3 na escala de Richter pelas 07:44. Foi uma das maiores magnitudes das últimas décadas, segundo o IPMA.

O JORNAL DE LEIRIA foi tentar perceber qual a exposição da nossa região a estes fenómenos e que impactos poderão ter. Fernando Carrilho, geofísico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), garante que a região de Leiria está numa “zona de perigosidade baixa”.

Aliás, Portugal, comparando com a Europa, “é uma zona de perigosidade baixa e baixa moderada, onde Algarve e Lisboa e Vale do Tejo claramente se destacam”. No ano passado, um sismo de magnitude 6,2 na Escala de Richter, com epicentro na província de Rieti, em Itália, provocou cerca de 300 mortos e a ruína de dezenas de edifícios.

O especialista reforça que “o que mata não é o sismo, mas as construções em que vivemos e aí há muito a fazer. Desde que se construa segundo as regras de construção antissísmicas os índices de segurança serão maiores. Não previne tudo, mas evita que haja colapsos”.

Em Portugal, a história ficou marcada pelo sismo de 1 de Novembro de 1755, que atingiu uma magnitude aproximada de 8,75 e que deu origem a um maremotoi com cerca de 15 metros de altura, tendo provocado grande número de mortos e destruição de edifícios na cidade de Lisboa.

 Este terramoto, que segundo a página da Protecção Civil teve o seu epicentro no acidente tectónico de Açores- Gibraltar, teve também impacto na região, sobretudo na zona Oeste.

“A carta das máximas intensidades observadas até à actualidade permitenos concluir que o risco sísmico no Continente é significativo. As maiores densidades demográficas e a concentração de parte significativa do tecido sócio-económico nacional situam- se ao longo do litoral, precisamente nas áreas com maiores intensidades sísmicas observadas ao longo do tempo”, refere ainda a página da Protecção Civil, que coloca a região de Leiria numa zona de densidade VIII (escala de Mercalli), sendo as piores Lisboa e Algarve.

Segundo o Plano Municipal de Emergência de Protecção Civil (PMEPC) da Câmara de Leiria, um dos poucos da região que abordam com alguma profundidade a questão dos sismos, classifica o concelho na zona de intensidade 8, sendo que a freguesia de Santa Catarina da Serra e Chaínça é abrangida pela zona de intensidade 9.

Fernando Carrilho explica que esta classificação é com base na “intensidade máxima, que representa os valores máximos históricos observados na zona”. O PMEPC acrescenta que geologicamente, a cidade de Leiria assenta sobre uma estrutura anticlinal diapiríca, de natureza salífera, alongada segundo Nordeste-Sudoeste que se instalou ao longo do grande alinhamento estrutural Pombal-Leiria- Caldas da Rainha.

Embora a sismicidade em Portugal Continental seja considerada de pequena amplitude, a registar-se na região qualquer actividade sísmica, média ou moderada, normalmente o seu epicentro ocorrerá, em princípio ou com certa probabilidade, no Oceano Atlântico - Falha Açores/Gibraltar, refere o documento de Leiria, que alerta, contudo, para as consequências que podem ser “agravadas”, dado que o distrito é “atravessado pela 'Falha Nazaré/Pombal' e, ainda, pela proximidade da 'Falha do Vale Inferior do Tejo”'.

Por seu lado, o Plano Municipal de Emergência de Protecção Civil da Marinha Grande evidencia que o concelho tem um risco “moderado”, tendo em conta a carta de perigosidade sísmica do Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) do Centro.

Hugo Rodrigues, mestre em Estruturas de Engenharia Civil do Instituto Politécnico de Leiria, que tem realizado trabalhos na caracterização do comportamento sísmico de estruturas, análise de risco sísmico e participado em diversas missões internacionais pós-sismos na Europa, sublinha que apesar de nenhuma das falhas locais ter originado um sismo com implicações graves no distrito, “não pode ser assumido que não possa vir a acontecer no futuro, quer numa das falhas já identificadas, ou numa ainda não identificada até ao momento”.

E se voltar a existir um sismo em Lisboa? Qual a intensidade que iria afectar a região? Hugo Rodrigues afirma que “os sismos como eventos extremos e com baixa frequência tornam difícil as suas previsões”.

“Existem muitas variáveis, tais como o tipo de ruptura de falha, direcção e profundidade do epicentro, que podem alterar de forma muito significativa os efeitos do sismo.” Hoje já existem ferramentas que permitem estimar, “com base em cenários de eventos sísmicos, quais as consequências sobre a população e o parque edificado”.

No entanto, considera ser “importante olhar para a história, compreender o que aconteceu e tentar projectar os seus efeitos para o dia de hoje”. Em São Bento, no concelho de Porto de Mós, situa-se uma das estações que integram a rede sísmica em Portugal.

Fernando Carrilho explica que esta ferramenta mede a actividade sísmica em todo o mundo, sendo possível detectar um terramoto no Japão, com uma magnitude superior a 5,5, tendo, este instrumento registado o sismo de Itália.

“Em termos locais, detecta todos os sismos, mesmo os de 1,0 de magnitude que são imperceptíveis à população.” “Um cenário idêntico ao sismo de 1755 teria um certo impacto no distrito de Leiria”, admite Fernando Carrilho, que lembra que é “impossível prever um sismo”.

O caminho tem de ser a prevenção e a sensibilização da população. “As pessoas têm de perceber onde vivem e planear o que podem fazer para minimizar os danos. Por exemplo, os móveis mais pesados não devem estar soltos, os objectos mais pesados devem ficar em níveis mais baixos e as camas não devem ficar perto de janelas nem debaixo de candeeiros muito pesados”, exemplifica.

As zonas históricas serão as zonas de maior vulnerabilidade, cujos edifícios têm pouca resistência e flexibilidade. Segundo o engenheiro civil Paulo Costa, para a construção ser resistente aos sismos é preciso ser “suficientemente flexível e ter ductilidade de estrutura para acompanhar os movimentos dos sismo”, o que “não se passa com os edifícios do centro histórico de Leiria”.

Para Hugo Rodrigues, “muitas intervenções realizadas em construções tradicionais, com a remoção de elementos, considerados muitas vezes como não estruturais, nomeadamente paredes divisórias, introdução de novas abertura, introdução de elementos com muita massa como a substituição de coberturas e pisos tradicionais de madeira leves por estruturas de betão armado, sem qualquer cálculo ou consideração sísmica, acabam aumentar a vulnerabilidade sísmica destas construções, muitas vezes sem a consciência do proprietário para tal”.

O engenheiro do IPL afirma ainda que tem existido uma “evolução dos códigos e normas de construção, que passará num futuro próximo pela implementação das normas europeias para o dimensionamento sísmico”.

No entanto, “esta deve ser acompanhada por uma fiscalização quer ao nível de projecto quer ao nível da construção”. Tendo em conta que grande parte do parque edificado nacional está construído, o engenheiro entende que “deverá ser feito um maior esforço aquando da reabilitação das construções existentes”.

“Nas construções novas, a legislação actual está muito avançada e permite o dimensionamento das construções para que estas tenham bom comportamento face a uma acção sísmica”, afirma Hugo Rodrigues.

Porém, Paulo Costa lamenta que a fiscalização não exista. Há um termo de responsabilidade do técnico, que garante que a construção cumpre com a legislação de construção antissísmica, mas “depois ninguém atesta se a estrutura construída cumpre com o regulamento em vigor”.

Este engenheiro alerta ainda que, por vezes, nem é por razões económicas: “o aço até pode lá estar, mas as coisas não são feitas de maneira correcta por ignorância.” Já em obras de reabilitação, Hugo Rodrigues diz que o “problema é mais complexo, e com especial relevo para o Regime Excepcional da Reabilitação Urbana que é omisso em relação a esta melhoria ou verificação da segurança das construções, definindo apenas que a resistência estrutural não poderá ser reduzida ou posta em causa”.

O engenheiro admite que “muitas destas construções, em especial nas zonas de maior perigosidade sísmica, podem não ter as condições de segurança sísmica adequada logo à partida”.

Também Hugo Rodrigues considera que “é possível fazer muito, em especial se não pensarmos apenas em danos, mas em preparar também as populações para este tipo de cenários”.

“São importantes os estudos de caracterização do risco sísmico em diferentes escalas, nomeadamente nacional, regional e urbana, que podem servir de suporte ao planeamento da urbano e ao desenvolvimento dos planos de emergência”, conclui.

Artigo publicado originalmente a 8 de Setembro de 2016 e actualizado a 18 de Agosto de 2017