Opinião

Votar nas crianças

26 ago 2021 15:45

Um país esquizóide como o nosso ainda não largou os tiques do novo riquismo

As escolas que damos aos nossos filhos e aos dos outros começam no dia em que votamos.

Ou no mesmo dia em que ficamos em casa em vez de ir votar.

Começam no dia em que mudamos do canal das notícias para a novela ou para o futebol.

No dia em que não lemos jornais porque sujam as mãos.

No dia em que aceitamos a realidade mastigada que nos querem impingir e, por mais que a realidade se nos meta olhos adentro, achamos que é “normal”, sobretudo porque sempre foi assim.

Pois bem. Não é.

Não é normal que as crianças encontrem nas escolas edifícios desumanos, demasiado quentes no Verão e gelados no Inverno. Feios. Sem materiais adequados. Com cantinas e wc de onde se quer fugir.

O que estamos a dizer a gerações inteiras com escolas sem condições?

Que a higiene não é importante? Que comer comida saudável tem de ser um suplício?

Que para aprender é preciso suportar temperaturas fora dos mínimos olímpicos do conforto humano? Que ir à escola é sobretudo uma coisa que não se quer fazer?...

Que dantes é que era bom, quando se ia descalço para a escola e mesmo assim se aprendia?

Era o mesmo “dantes” onde não havia anestesia para arrancar um dente, ou as sopas de cavalo cansado aqueciam manhãs de invernia, lembram-se?

Um país esquizóide como o nosso ainda não largou os tiques do novo riquismo - ai o MAAT, o esplendor da arquitectura contemporânea, Portugal a dar novos mundos ao mundo, com o dinheiro da EDP, vendida aos chineses por 2,7 mil milhões de euros em 2011 - e depois os nossos filhos a irem estudar em escolas com cotos de sabão azul e branco, onde se bate o queixo de frio e se apanha a chuva nas costas por falta de espaços exteriores cobertos, ou se aprende a esconder a comida intragável quando se devolve o tabuleiro com o estômago desconsolado…

Agora que novo ano escolar vai começar lembremo-nos das crianças, do muito dinheiro que vai ser torrado em obras nas escolas e exijamos ter uma palavra a dizer.

Perguntem ao director do vosso agrupamento se os pais e os alunos podem opinar sobre como gostariam que fosse a vossa escola.

Alguns gostariam de cantinas onde as refeições são cozinhadas, com almoços que não deixem milhares de crianças e jovens infelizes, irritados, desmotivados – em vez de serem servidas por empresas gigantes que conseguem lucro apesar do preço ínfimo de cada refeição.

Experimentem lá ir trabalhar e comer todos os dias a comida de uma cantina escolar e depois venham-me falar de motivação.

Pais e alunos gostariam de ser ouvidos. Só que não.

O Estado não ouve, porque supostamente elegemos os melhores para decidir. Os que são especialistas. Os que vão decidir como gastar o nosso dinheiro. Não precisam de nos ouvir porque já sabem como fazer.

E quando os eleitos não são os melhores, nem por sombras?...

Da próxima vez que se queixarem da comida na cantina dos vossos filhos lembrem-se: o que já fizeram realmente para votar nas crianças?