Opinião

V de Violência

27 set 2022 21:45

Ainda teremos de esperar pela conta da guerra que não é nossa

Percorrendo-o com um dedo trémulo chegámos à letra V do alfabeto da nossa vida em sociedade.

E não há outra palavra que, infelizmente, melhor defina os nossos dias do que violência.

Eu próprio, amante da paz, estive por duas vezes, no último mês, envolvido em duas situações de violência.

A primeira, no parque de um supermercado, onde dois indivíduos me seguiram e confrontaram, a exigir explicações por causa de um disparate do meu filho de dez anos, quando íamos na estrada; a outra, no meu jantar de aniversário, num restaurante, apedrejado, sem dó nem piedade, por causa de um ajuste de contas entre claques de futebol, após a final de um jogo de futebol feminino em Leiria.

Não, já não moro na Brandoa.

Tudo isto se passou em Alcobaça, terra de paixão, como rezam os slogans municipais.

Todos aqueles para quem olhávamos em busca de orientação (jornalistas, deputados, comentadores de futebol, padres, juristas, chefes de Estado) são, actualmente, nada mais que, eles próprios, agentes do ódio, pelo que escrevem, defendem e simbolizam: uma radicalização do discurso, uma profunda divisão ao meio da sociedade, a declaração jurada que vê inimigos por toda a parte.

Longe vão os tempos de temperança e de empatia.

Cortou-se finalmente a ponte entre as margens do abismo e estamos, cada um do seu lado, a mostrar o rabo e a fazer caretas aos outros do lado de lá.

E a tendência é piorar.

Ainda teremos de esperar pela conta da guerra que não é nossa, das pragas que ferem corpo e mente, das temperaturas que irão congelar os nossos bolsos, da falta de futuro que tão poucos roubam a tantos, com os nossos filhos já na escola a passar frio perante professores esgotados, logo no primeiro dia, por tanta luta pelo direito e dever de ensinar.

Este é o mundo que temos.

À cabeça está uma Europa amnésica dos seus valores, armada em cruel madrasta que envergonha o poema de Gaudé e cumpre a profecia de Nietzsche da culpa sem perdão.

Como se dizia na Brandoa de onde venho: “Não ganhámos ao jogo. Ganhamos à porrada.” 

E assim cai o mundo. E nós com ele.