Editorial

Um óbvio incómodo

28 nov 2019 15:06

Mas não tenhamos ilusões: para combater o problema, os países mais desenvolvidos terão de alterar profundamente o seu modo de vida, os hábitos de consumo e o respeito pela Natureza

João Matos Fernandes, ministro do Ambiente, conseguiu que as suas declarações fossem um dos assuntos da semana ao dizer… o óbvio.

É claro que a Black Friday é um “contra-senso”. Ou melhor, é o expoente máximo do contra-senso, sabendo-se, como se sabe, que o Planeta não está a aguentar a pressão que lhe está a ser feita e que o consumo terá que ser drasticamente reduzido.

Mas, ao mesmo tempo que se vai reforçando a sensibilização para o problema ambiental, com mensagens cada vez mais assertivas, em alguns casos de enorme dramatismo, o apelo à compra também sobe de tom, com campanhas capazes de fazer um esquimó comprar um frigorífico.

No fundo, não é mais do que um choque de interesses, com o Ambiente e a Economia a colocarem-se em pólos opostos e a disputarem a decisão das pessoas.

Poder-se-á sempre afirmar que essa disputa não tem qualquer lógica, pois se nada mudar, dentro de algumas décadas poderemos ter um Planeta deserto, onde falar de Economia não terá qualquer sentido.

No entanto, também é verdade que, no curto prazo, as empresas têm responsabilidades, entre funcionários, banca, fornecedores e impostos, e o modelo existente não parece ser compatível com as exigências ambientais, até porque é da natureza humana só pensar no futuro quando o presente está garantido.

Por outro lado, as Black Fridays desta vida só acontecem porque as pessoas aderem em massa, algumas, obviamente, aproveitando para comprar bens necessários que lhes estariam vedados sem a descida de preços, outra, no entanto, a comprarem mais do que já têm ou produtos absolutamente supérfluos.

Ou seja, o problema do Ambiente não está apenas no plástico, na indústria têxtil, nos automóveis ou nas vacas, mas também nas pessoas que se habituaram a um tipo de vida e de consumo do qual não parecem estar dispostas a abdicar.

Como noutras situações, terão de ser os Governos a regulamentar, a condicionar e a proibir. Também a adoptar políticas respeitadoras do Ambiente e soluções para que o dia-a-dia dos cidadãos não seja muito afectado.

Mas não tenhamos ilusões: para combater o problema, os países mais desenvolvidos terão de alterar profundamente o seu modo de vida, os hábitos de consumo e o respeito pela Natureza, que muitos continuam a ver como um grande caixote do lixo.

Como referia Filipe de Botton em entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, na edição da semana passada, “as garrafas de plástico não nascem nos oceanos”.

E não deixemos que as nossas consciências se tranquilizem com as estatísticas que dizem que apenas 1% da poluição dos mares vem da Europa, pois boa parte da poluição com origem em África e no Sudeste asiático, que é o grosso do problema, é gerada a produzir o que, por aqui, consumimos, sem pensar em como é produzido, por quem e em que condições.

João Matos Fernandes disse o óbvio, mas um óbvio corajoso e incómodo.