Opinião

Um homem morto

15 mar 2017 00:00

Uma vez vi um homem morto numa manhã fria mas soalheira.

O corpo jazia nu, de lado, em posição fetal, desventrado. Fedia. Céus, como fedia!

Mais que a imagem lúgubre das entranhas que lhe irrompiam no baixo-ventre e das fezes ensanguentadas que, em abundância, lhe escapavam por entre as nádegas, foi o cheiro agudo pérfido que a minha memória mais reteve.

Eu, claro, nunca tinha visto um homem morto até então. Nem tão pouco um homem nu! E assim, de repente, zás, de uma só vez, um homem morto e nu. E um cheiro mais forte e mais repugnante do que todos os maus cheiros que alguma vez cheirara na vida!

Foi também a primeira vez que vi um pénis de adulto, muito maior que o meu e com pêlos à volta. Eu, ainda menino imberbe, de pele virginalmente macia e a salvo de qualquer penugem, fixei ali a minha atenção.

Imagine-se só o quão complexas possam ter sido as sensações de uma criança de tenra idade ao deparar-se, pela primeira vez, com um homem morto, nu, com pêlos à volta do pénis, e envolto num escabroso cheirete que nem um jorro de fecal vomitado se consegue, sequer, aproximar!

Ainda num estado letárgico próprio do choque que tão violento quadro provocara, reparei também num bonito desenho que lhe unia os ombros de uma extremidade à outra.

Na minha ingenuidade genuinamente infantil pensei que aquela obra de arte tinha sido feita com canetas de filtro, não descortinando que, para além de estar perante o primeiro homem morto que vi, o primeiro homem nu que vi, o primeiro pénis com pêlos à volta que vi, estava, também, a contemplar a primeira tatuagem que vi.

Depois... Bom, depois caí em mim. Entrei, finalmente, em pânico!

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*Presidente da Fade In