Opinião

Teorias rurais

2 jul 2021 10:44

Ao indicar Paris e Coimbra como referências não estou a desprezar a grandiosidade das visões hoje debatidas em Leiria, mas apenas a dar a essa grandeza alguns pontos cardeais de envergadura não dissimilar

Tenho sido alvo de severas críticas relacionadas com os apontamentos que aqui expus no mês passado. Alguns conterrâneos concluíram ser desagradável questionar o mérito de alcatroar linhas de água, ou duvidar que o castelo continue a ser o centro da cidade.

Foram semanas particularmente dolorosas para mim e para minha família. E assim, num gesto franco e apaziguador, retiro tudo o que disse! Reconheço que o alcatrão afasta a lama das sapatilhas e dos pneus dos automóveis, e que o Castelo de Leiria coloca, muito correctamente, a centralidade da cidade no período da reconquista e no divertido padrão familiar estabelecido por Dom Dinis.

Se outros surgirem acusando-me de falta de coluna e de pouca estatura moral, peço-lhes antecipadamente que não se preocupem comigo. Feita esta defesa de honra, insisto: não somos um arquipélago no vértice de um gigantesco corredor mercantil (Singapura), mas somos, tal como Marrocos, o país do sol poente.

Esta vocação crepuscular é responsável por um tipo de posicionamento que já gerou uma “avenida inteligente” e uma inovadora Feira do Livro com quatro bancas em quatro dias!

Neste sentido, ouso partilhar uma ideia – citando Groucho: se não gostarem, tenho outras – que consiste na transferência de um dos funiculares do castelo, para a Nossa Senhora da Encarnação, replicando a geografia boémia de Montmartre.

Na sua versão parisiense o bairro é conhecido pela sua vivacidade e juventude, ao contrário do nosso que se encontra coroado por uma estrutura residencial para idosos. Ainda assim, este Montmartre-sur-Lis poderia ajudar a consolidar Leiria-sul como destino cultural.

Dirão alguns incapazes que ainda não estamos ao nível de Coimbra – sítio localizado numa parte da Beira onde se canta muito o fado –, cuja edilidade, bafejada por um desígnio sanitário, decidiu transformar a igreja de Santa Justa-a-Velha, ao Terreiro da Erva, numa casa de banho, assim ressignificando a arquitectura românica da cidade.

Mas, muita atenção!

Ao indicar Paris e Coimbra como referências não estou a desprezar a grandiosidade das visões hoje debatidas em Leiria, mas apenas a dar a essa grandeza alguns pontos cardeais de envergadura não dissimilar.