Opinião
Só mais um dia
Tento imaginar como vamos sair desta embrulhada de sociedade alienante quando encosto a cabeça na almofada, sem grandes respostas para me animar os sonhos
Acordo e já enfrento o típico doomscroll na sanita. Não sem antes ir ao mail assinar as petições do dia. Por entre vídeos de gatinhos fofinhos e publicidades de Pilates para quarentonas chegam-me as primeiras imagens do dia dos últimos horrores em Gaza. Hoje é uma jovem rapariga que, ao tentar carregar por entre escombros um garrafão de água, é mortalmente bombardeada por um drone israelita.
Seguem-se dois homens a correr com uma maca para tentar tirar o seu corpo massacrado daquele lugar sem terem, eles também, o mesmo fim. Notícia de que o (des)Governo pondera para a “nova” lei laboral a estipulação de não obrigar as empresas a “tolerar” propaganda sindical se não houver sindicalizados nos seus locais de trabalho.
Pergunto-me como é suposto os sindicatos encontrarem nesses lugares novos associados. Talvez na fila do supermercado ao final do dia, com poucos gestos e em surdina. Cheira-me a mofo. Agora um cãozinho muito fofo, vestido com umas cotoveleiras para não ganhar calos (!!), enroscasse numa dona que lhe dá muitos beijinhos no focinho.
Reportagem a “expats” que se sentem muito culpados por terem revirado o tecido social português, chocados por o nosso país não os obrigar a pagar mais impostos. Ri. No final do dia passo em casa dos pais para um olá, já exausta. Dizem-me que não me posso irritar tanto com estas coisas - “olha a tua saúde!”
Penso - já não digo - que o que mais me tira anos de vida, ainda assim, é viver num mundo onde ninguém quer saber. Envio para o primo um vídeo engraçado de uma banda que fez uma música a apelar ao boicote do Spotify, porque o seu CEO anda a investir biliões em IA de guerra israelita. “Ah! nem estava a par”, responde-me. Que não segue muito as notícias, ultimamente - pela sua saúde mental. Compreendo.
Tento imaginar como vamos sair desta embrulhada de sociedade alienante quando encosto a cabeça na almofada, sem grandes respostas para me animar os sonhos. Não parar. Resistir como posso. Serviços mínimos de acção política organizada em tantas frentes quanto possível. Sexta-feira, a partir das 17:30 horas, em frente à Câmara Municipal de Leiria, será a 11ª semana de vigília pela Palestina. Espero que apareça mais gente.