Opinião

“Profundo pensar”

21 dez 2019 10:42

A democracia do like e do deslike, a democracia das fake news, do ruído, da arte de melhor conflituar e protestar, é bem visível e audível em várias geografias do mundo: Hong Kong, Bolívia, Chile, Espanha, Inglaterra, etc

Vivemos num tempo em que impera o fútil e o vazio, num tempo de mediocridade e banalidade. É mau que assim seja na política, no Direito, mas é inadmissível que possa assim ser no ensino.

Para evitar correr o risco de o leitor pensar que é anedota, identifico as edições do semanário Sol em que um professor universitário publicou os excertos que se seguem:

Semanário Sol 24/11/2019: “Por tudo e quase por nada (reconheça-se) a rua, o protesto, a manifestação, a destruição de bens (sobretudo privados...) faz-nos sentir que a radicalização da democracia direta, via media e redes sociais, está a mobilizar os melhores e os piores afetos do povo, dos cidadãos. E, note-se, a fazê-lo melhor do que a democracia demoliberal, com todo o seu rito político-jurídico e as suas ordens políticas e institucionais. A democracia do like e do deslike, a democracia das fake news, do ruído, da arte de melhor conflituar e protestar, é bem visível e audível em várias geografias do mundo: Hong Kong, Bolívia, Chile, Espanha, Inglaterra, etc., etc.”

Semanário Sol 2/12/2019: “Não há como deixar de o dizer: existe uma determinada identidade política associada ao 25 de Abril e existe uma outra identidade política associada ao 25 de Novembro. Goste-se ou não se goste, esta é a verdade”.

Uma comemora-se e bem. Porque, entre outras coisas, o 25 de Abril de 1974 foi um dia, uma data, uma revolução que acabou com uma ditadura que só pecou por tardiamente ter sido substituída por um novo período da República portuguesa.

Porquê? Por que é que nunca se comemorou, tantos anos volvidos, a sua importância?

Porque as datas fraturantes não merecem ser evocadas? Parece muito pouco para que assim seja.

Para quando? É certo que algumas vozes poderão de má-fé e com ignorância dizer que esta é mais uma voz ‘fascista’, ‘reacionária’, etc. A esse propósito, só poderei dizer: eu?

O ‘esquerdista’ de vários governos não socialistas? O amigo dos ‘pretos’ e dos imigrantes? O ex-secretário de Estado defensor dos jornalistas que matam e esfolam e impõem mentiras que encantam? Quanto a isso, estamos conversados.

Semanário Sol, 8/12/2019: “O futebol já é muito mais do que um fenómeno de massas, é um negócio. A ontologia do adepto de futebol é uma realidade. Na condição de adepto de futebol, encontramos várias especificidades. Identidades clubísticas. Paixões incondicionais de tipo clube tribal e paixões racionais de tipo clube cívico. Com alegrias e dramas. Com mobilização onde os mitos e as perceções (mesmo que às vezes contraditórias) mediatizados são o sal e a pimenta para as vidas de muita gente”.

Sim, parece mentira mas é verdade, os excertos, acima transcritos, refletem o pensamento e a escrita de alguém que dá aulas numa universidade.

Pergunto-me como é possível isto acontecer sem que alguém reaja, sem que alguém impeça, sem que alguém faça algo.

A crise do ensino e, por consequência, do saber, da ciência, do pensamento e, já agora, da imprensa - logo, da própria democracia, não surge por acaso. Nunca surge.

Desejo um feliz Natal a todos os leitores.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990