Opinião

Os três F portugueses

23 dez 2020 20:05

Precisamos de habitar espaços humanos, com dimensão para o movimento, o percurso, a caminhada, sem estarmos tolhidos.

Somos seres sociais. Precisamos dos outros. Do contacto, do abraço, do toque, do olhar. E de nos movermos.

Por algum motivo, a prisão é o castigo inventado para punir quem comete crimes. Isolar as pessoas das outras e retirar-lhes liberdade de movimentos é o pior dos castigos nas sociedades modernas.

Nesta pandemia aprendemos a duras penas que afinal as coisas banais – dos dois beijinhos do cumprimento ao abraço fraterno, das jantaradas ombro a ombro aos espectáculos em que magotes de pessoas vibram em uníssono - afinal não eram um dado adquirido.

Eram o luxo do normal.

Esta incapacidade de darmos valor ao banal, ao quotidiano, dando tudo como garantido – numa espécie de arrogância humana sobre a Natureza, que pensa ter dominado o ambiente e tudo à volta – custa-nos pesadas penas.

Entorpecidos na voragem do “progresso”, do crescimento económico, na loucura desenfreada e anestesiante do consumo, deixámos para trás há décadas o tempo e o espaço.

Encontramo-nos agora a fazer coisas sem sentido, a caminhar vertiginosamente não sabemos para onde, limitando-nos a cumprir rituais impostos, sugeridos, imitados.

Uma das coisas vitais que temos de recuperar é o Tempo.

Há uma dimensão circadiana a recuperar: o tempo de esperar que tudo aconteça no seu próprio tempo.

A fruta na sua época, as árvores que demoram mais de uma geração a frutificar, o tempo de interiorizar um luto. Outra coisa que precisamos de recuperar é o Espaço.

Precisamos de habitar espaços humanos, com dimensão para o movimento, o percurso, a caminhada, sem estarmos tolhidos.

Isto aplica-se aos locais de trabalho, de habitação e da escola.

Já olharam com olhos de ver para os miseráveis edifícios onde as crianças portuguesas estudam?

Tempo & Espaço são assim, uma espécie de senha e contra-senha para um futuro mais humano, mais cordial, mais feliz.

E aqui entra um detonador de mudança chamado agir. Fazer acontecer. Impulsionar a roda do mundo.

Visto de muito, muito longe – no tempo e no espaço – somos apenas insignificantes criaturas feitas de carbono que arranham a crosta de um planeta que gira no espaço sideral a uma velocidade estonteante.

Andamos por aqui uns 80 anos, mais acidente menos doença, mais sorte nos genes, menos batatas fritas nos maus hábitos. E o que fazemos dessa coisa única, volátil, efémera e mágica chamada Vida?

Gastamo-la sem sentido.

Morremos e não deixamos um legado digno de nota.

Alguém se vai recordar emocionado daquele empresário de sucesso que tinha um carro muito caro?

Alguém se lembrará com uma dor fininha no peito da senhora muito loura e de roupa de marca que guia o seu bólide branco impante? Pois.

Construímos um legado quando fazemos alguma coisa pelos outros.

Como hoje.

Como telefonar àquela pessoa que sabemos sozinha, ou deixar um presente insignificante, mas que assinala a nossa lembrança a quem não esperava nada nesta noite, como dar tréguas a uma guerra antiga, como dar tempo e espaço a quem precisa.

Hoje, faça acontecer.

Faça um Feliz Natal!