Opinião

Mas não há austeridade?

6 mai 2022 15:45

Discutir se o orçamento é ou não de austeridade e se esta continua é uma insensatez!

Meu caro Zé,

Confesso que no meio deste turbilhão de uma pandemia ainda por ultrapassar e de uma bárbara guerra, que a (quase) todos perturba, dá-me arrepios ouvir, reiteradamente, expressões como “virar a página” (como se quando se vira a página se apagasse o que está antes) e “austeridade”.

Os arrepios aumentam quando se juntam as duas, ou seja, “virar a página da austeridade” e a ridícula discussão no Parlamento sobre o tema.

Já em 2013, no meio de uma intervenção da Troika, foi-me proposto escrever algo subordinado ao tema “A austeridade cura? A austeridade mata?” a que eu respondi com um título interrogativo “A austeridade é uma política?”.

E nessa altura comecei, como deve ser, pelo significado dos termos, designadamente “austeridade”, chegando depois ao conceito de “austerismo” que é um “excesso de austeridade”.

Eliminar esse excesso não é, portanto, “virar a página da austeridade”, mas centrarmo-nos nela.

Quase dez anos depois, e perante os tais arrepios, consultei vários dicionários e enciclopédias, designadamente a “Enciclopédia Britânica”, em que ao procurar o termo “austerity”, ele aparece logo ligado à economia: “Austeridade (economia) – um conjunto de políticas económicas, usualmente consistindo num aumento de impostos, cortes de despesa, ou mesmo uma combinação de ambos, usada pelos governos para reduzir défices orçamentais” (a tradução é minha).

Claro que, como é normal, as noções estão mais ligadas ao curto prazo (défice) que ao longo prazo (dívida), mas há que reconhecer que as razões se tornam mais gravosas quando está em causa um grande défice, como o nosso.

Como sinónimo de “austeridade” aparecem, noutros dicionários, “rigor” e “sobriedade”.

Mas será que alguém tem dúvidas que nas atuais circunstâncias têm o Estado e o País de ser rigorosos e sóbrios, ou seja, “austeros”?

Noutro plano, será que a austeridade foi (ou podia ter sido?) abandonada desde 2011, quando o País caiu no “buraco”?

É só usar as tabelas de IRS e comparar as de 2011 (9 escalões a partir de 4.989 euros, escalão mínimo, com 11,5% de taxa e mais 153.300 euros (escalão máximo) com taxa de 46,5%)), passando por 2015 (5 escalões, a partir de 7.000 euros (taxa de 14,5%) com escalão mínimo e mais de 80.000 como escalão máximo (48%)) com as previstas para 2022 (9 escalões, a partir de 7.116 euros (14,5%) até mais de 75.009 (48%)), com uma taxa acumulada de inflação de 2011 a 2021 de cerca de 12,3%, para avaliarmos bem como é que a página (não) foi virada.

Discutir se o orçamento é ou não de austeridade e se esta continua é, pois, uma insensatez!

Discutam-se as prioridades de aplicação dos meios escassos, fuja-se do clientelismo, dê-se lugar à meritocracia, porque “rigor” e “sobriedade” não podem ser alienados.

Mas poderá isso ser possível com uma maioria absoluta num regime de “partidarite” aguda?

A eleição de Francisco de Assis, por voto secreto, no Parlamento, com o a maior votação de sempre, é algo otimista que quero assinalar!

Até sempre

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990