Editorial
Mar português, vazio atlântico
Na Galiza, nossa irmã mais velha, onde cada recanto da costa é valorizado e protegido, cada enseada é usada para produzir pescado e marisco
Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa é 19 vezes maior do que a superfície terrestre e há vontade de aumentar em três vezes esta área, caso Espanha não cause entraves ao processo, na ONU.
Para muitos, um número desta magnitude serviria como ponto de partida para argumentar que Portugal é, essencialmente, um país marítimo e que deve aproveitar, haja gentes, engenho e cabedais, tal como no tempo de Quinhentos, para desbravar o mar-oceano.
Sejamos honestos, além da propaganda criada no final do século XIX sobre os grandes feitos de alguns navegadores, gente de fibra, coragem e têmpera que viveu há 500 anos, algum de nós sente que pertencemos a um povo com vocação atlântica?
Velejamos, pescamos, fazemos desportos no mar?
Olhemos para a Galiza, nossa irmã mais velha, onde cada recanto da costa é valorizado e protegido, onde cada enseada é usada para produzir pescado e marisco, onde todas as universidades, mesmo as de cidades interiores, contam com um departamento ligado ao mar, com aplicações directas nos negócios.
A França, Bélgica, Países Baixos, Reino Unido, Dinamarca têm aproveitado muito mais o pequeno mar deles do que nós o nosso.
Produzem energia com marés e ventos, cartografam o leito marinho e até fazem exploração arqueológica!
Por cá, temos muitas pessoas talentosas na academia e na fileira do mar que poderiam fazer mais, caso os deixassem.
Nesta edição, conhecemos as bolandas de João Rito, fundador da SEAentia, uma empresa jovem de aquacultura que, apesar de ter visto o seu valor reconhecido, esbarrou em bancos que não servem para financiar.
Os sócios tiveram de gastar quase tudo o que tinham e pedir emprestado à família e amigos, antes de serem reconhecidos no estrangeiro, para abrirem algumas portas em Portugal.
Se a ZEE é o nosso “novo território” e a sua exploração sustentável é a chave para a prosperidade futura, como muitos responsáveis governamentais dizem, esta é uma maneira deveras estranha de o demonstrar.
As frotas diminuem de tamanho, o preço do pescado sobe e a mão-de-obra diminuiu, como alerta João Paulo Delgado, presidente da Mútua dos Pescadores.
Numa época onde o tema da Defesa e as oportunidades de uso dual parecem estar em todo o lado, é preciso um rumo real e estratégias que saiam do papel.
Perante os exemplos do passado que envolveram outras áreas importantes para a nação, é natural recear que a aposta na economia azul, se possa esgotar nas “boas intenções”.
Esperemos que empreendimentos como o SEAentia sejam um farol nestes tempos de grandes mudanças e que o mar português não seja o vazio atlântico a que Pessoa alude na sua Mensagem.