Opinião

Literatura | Weina Dai Randel (2017) A Imperatriz da Lua Brilhante, OU as profecias do sangue…

16 ago 2020 20:00

Weina Dai Randel nasceu na China. Aos 22 anos mudou-se para os USA, onde obteve o Master Authority em Inglês, pela Texas Woman’s University de Denton.

A Imperatriz da Lua Brilhante é o seu romance de estreia (vd. www.weinarandel.com) e é fundamental ler a ‘Nota da Autora’ (pp. 403-4) e os ‘Agradecimentos’ (pp.405-6), com que fecha a edição da ed. Presença, traduzida por Manuela Madureira em 2017, um ano depois da publicação, em inglês.

Se a literatura é sempre (também…) um ajuste de contas com a vida e a(s) identidade(s) biográficas, Weina esteve em processo durante dez anos para – no ‘conforto’ (?) dos USA – encontrar as raízes da sua cultura oriental e as marcas da(s) profecia(s) que atravessam os seus/nossos genes e o seu/nosso fluído sanguíneo. A arte (sob que forma?! Vejam-se os belos desenhos estilizados do site indicado acima… e escuso-me de falar da capa escolhida para esta edição, nem do leque, dos alfinetes de cabelo, ou da maquilhagem da mulher chinesa…) é uma das formas da profecia...

O livro conta-nos a história de uma menina – WU MEI – baseada numa figura histórica, que viveu durante a dinastia TANG (séc. VII d.C.), sob o reinado do imperador Taizong, e que foi o único governante do sexo feminino da China, Wu Zetian, conhecida por imperatriz Wu. A profecia surgiu aos 5 anos, quando um monge lhe vaticinou que “A este rosto cabe a missão do Céu” (p. 11), confundindo-a com um rapaz, mesmo sem pertencer à família imperial. Só perto do final do livro, Mei se recorda do ataque de um tigre, de que resultou a morte do seu pai, para a defender, e aceita a ida da mãe para um mosteiro budista, o que contribuiu para transformar essa religião – então minoritária e das classes mais baixas – num braço paralelo ao confucionismo e taoismo.

O âmago do livro é constituído pelos anos durante os quais Mei é levada para o Palácio Imperial, e vive na Cidade Proibida, aprendendo as intrigas das concubinas e inteirando-se da complexa hierarquia daquela sociedade fechada e urdida de nós. A Dama Nobre será uma ‘mestra’ para ela, auxiliando-a e revelando-lhe alguns dos imbricados segredos (veja-se a ‘caixa das aranhas’) da corte, dos mandarins e dos ministros. Mei apaixona-se por um dos (o oitavo!) filhos do imperador – o jovem Faisão – que acabará por ser designado pelo pai como seu sucessor e promete:

Quando eu me tornar o imperador do reino, tu serás a imperatriz. A imperatriz da Lua brilhante.

Virei-me para ele. Então e a sua esposa, a dama Wang? Mas eu sabia que Faisão não a amava, e ele fizera um ar tão sério que soube que devia confiar nele. – Falas a sério?

Ele apertou-me a mão e acenou afirmativamente.

Eu sorri. A sua voz enroscava-se à minha volta como um feitiço de promessa. A imperatriz da Lua Brilhante. O som agradava-me. O Pai também teria gostado. Eu tinha vinte e dois anos. Não era idade demais para ser imperatriz, pois não?” (opus cit., p. 401)

Se todas as decisões são emanadas pelo masculino – O Único acima de Todos – sub-repticiamente, o livro mostra as sombras e os meandros do poder feminino que tece, torce e contorce as regras do jogo, urdindo diferentes linhas com as mãos, os cérebros, as atrações corporais e os ventres fertilizados/envenenados. Tudo o que é belo é também chocante. As cenas da revolta e das sangrentas lutas ou ordens de decapitação/castigos do Imperador abrem janelas para mundos desconhecidos. Porém, o poder da natureza, sob a forma da árvore, aparece assim referido:

[…] os filhos são pássaros e uma mãe é a árvore. Por muito longe que os pássaros voem, anseiam sempre pela árvore a fim de descansarem.

Fitei-a atentamente. – Mas uma árvore tombará…

- Ainda que tombe ou morra, as suas raízes mergulham fundo no coração de um filho, alimentando-o com os seus pensamentos eternos.” (opus cit., p. 299)

Ensino língua portuguesa a estudantes chineses; aprendo com eles uma cultura diferente; Weina Randel devolveu-me um pedaço da história chinesa que desconhecia e me faz entender o papel dos géneros no Oriente. Tal como a Dama Nobre do livro, também me posso enganar nas minhas seleções e profecias de textos admiráveis…