Opinião

Letras | Paulo Kellerman (2022), E quando acabarem as perguntas? OU a curiosidade das respostas esporádicas…

3 jun 2022 16:27

A temática é – e será sempre? – a própria interrogação e só quando ela acabar o registo humano e artístico corre o risco de desaparecer

O meu encontro com o Paulo Kellerman deu-se há algumas décadas atrás, num hic et nunc em que as perguntas e os sonhos, que cada um de nós desfiava, eram diferentes e interligados – como linhas paralelas cruzadas sem curto-circuito (a academia, a literatura…) – e fez-se a propósito de um livro de Gonçalo Trancoso, Contos e Histórias de Proveito e Exemplo. Desde aí, nenhum de nós interrompeu os sonhos. Nem as perguntas.

Talvez deva registar a sua ‘breve consagração’ no género contos com Gastar Palavras, de 2005, onde as estórias ‘andam à deriva’ pela dançada interpretação de várias pinturas (e que bom seria voltar a reeditar este livro acompanhado pelas imagens da arte pictórica que o fizeram questionar-se…); ou as incursões na literatura infantil com A tristeza dá fome (2012) e O céu das mães (2014), acompanhadas por sensíveis e belas ilustrações e com respostas inesperadas e surpreendentes (sobretudo para o mundo adulto estático e estratificado); ou a estreia no romance com Serviços mínimos de felicidade (2016), resposta a desafios de pensamentos, questões e evoluções: filosóficos, de escrita e de emoção.

Com esta incursão na poesia em 2022, E quando acabarem as perguntas?, através de 42 poemas de diferente forma e tonalidade, o leitor poderá querer assegurar-se de que a temática amorosa é o âmago que sustém o edifício; porém, no final do livro o título aparece novamente grafado num sussurro implícito de que a temática é – e será sempre? – a própria interrogação e só quando ela acabar o registo humano e artístico corre o risco de desaparecer. Como uma resposta à epígrafe inicial que enlaça curiosidade com interrogação…

Assim, poder-se-á ler/interpretar que a maioria dos poemas reflete sobre a intangibilidade e fragilidade do amor: memória, morte, fronteira; essência, vivência sensorial; contemplação sensorial; dúvidas dos amantes, fim do desejo; contemplação do objeto amado como libertação, contemplação passiva, melancolia perigosa; perceções em conflito; amor esvaziado; apaziguamento relacional; prisão das memórias individuais; proximidade espiritual; amor mental; amor físico, paixão.

No entanto – e se um grande número de poemas se encontra neste núcleo – não devemos deixar de escutar os outros pilares que sustêm este périplo de perguntas: a imponderabilidade do tempo e da beleza; a liberdade, a imaginação e a prisão do agora; o corpo, o espírito e as saudades, a autenticidade sem interrogações da natureza; a prisão onírica do homem; o esquecimento das memórias da infância; pensamentos suicidas; intraduzibilidade do pensamento e do conhecimento; questionamento ontológico do humano versus natureza; questionamento cosmológico versus tempo e desejos humanos; limitações humanas e a ‘inexistência de Deus’.

A pergunta não está explícita, mas o leitor vai querer saber o porquê do número 42, símbolo de um risco transformador, sem esquecer as experiências anteriores. Destino, acaso? Ou curto-circuitos que nunca veremos? Curioso, o leitor espera uma resposta esporádica, um olhar imprevisível, sobre o qual o poeta também nada sabe… por enquanto… “XL Como poderei saber se também pensas em mim / Quando estou a pensar em ti? // Que sejamos incapazes de perceber quando alguém nos pensa / É a prova mais evidente da inexistência de Deus. // E uma perda de tempo. // Eu penso, / Tu pensas, / E esses pensamentos, / Os meus e os teus, / Talvez nunca se cruzem nem se toquem, / Talvez nunca conversem. // Como duas nuvens que se cruzam no céu / E não se olham.” (opus cit., p. 62).