Opinião

Letras | No centenário do nascimento de Matilde Rosa Araújo

20 ago 2021 20:00

Homenagear aqui António Torrado e não celebrar a escritora infantojuvenil Matilde Rosa Araújo (MRA) no ano em que passam cem anos do seu nascimento não seria justo

Fez no passado dia 20 de Junho que nasceu, na quinta de seus avós em Benfica, a menina que, como era dado às meninas de família desse tempo, fez os seus estudos em casa. Mas, ao contrário do que era costume dessas meninas de família, MRA fez a sua licenciatura em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1945. Quarenta anos professora do ensino secundário e na Escola do Magistério Primário de Lisboa. Não foi, porém, esta atividade que a tornou célebre. MRA mostrou-se sempre uma fervorosa defensora dos Direitos das Crianças. Assim, foi sócia fundadora do Comité Português da UNICEF e do Instituto de Apoio à Criança e escreveu inúmeras vezes sobre o interesse da infância na educação e acerca da utilidade da literatura infantojuvenil na formação dos mais novos. E foi neste campo, o da escrita para o público juvenil, que mais aplicou a sua criatividade.

Estreou-se em 1943 com "A Garrana", uma novela sobre a eutanásia com a qual venceu o concurso "Procura-se um Novelista" do jornal O Século, em cujo júri se encontrava Aquilino Ribeiro.  Para o público adulto escreveu ainda "Estrada Sem Nome", "Praia Nova", "O Chão e as Estrelas" e "Voz Nua".

O primeiro livro para crianças publicado foi "O Livro da Tila" (1ª ed. 1957); (Tila era o nome pelo qual Matilde era conhecida entre os amigos) escrito nas viagens de comboio entre Lisboa e Portalegre onde lecionava e cujos poemas foram musicados por Lopes Graça.

Sobre este livro escreveu José António Gomes (JAG) que «desvela o universo de uma infância, em parte eufórico, feito de pequenos deslumbramentos perante o mundo e a natureza, expresso ora por um sujeito da enunciação infantil/juvenil, ora por uma voz adulta que observa o real e as relações que a criança com ele estabelece».  (in Colóquio Letras)

Seguiram-se "O Palhaço Verde", "História de um Rapaz", "O Sol e o Menino dos Pés Frios", "O Reino das Sete Pontas", "História de uma Flor", "O Gato Dourado", "As Botas de Meu Pai", "As Fadas Verdes" e "Segredos e Brincadeiras”, entre cerca de quatro dezenas de títulos.

Acrescenta JAG que «A aposta na vida, que caracteriza a poética de Matilde, não se faz, porém, sem uma reflexão sobre a condição do homem em sociedade. Ela inicia-se com urna atenção muito especial à criança que sofre (presente em quase todos os livros) e prolonga-se num olhar dorido sobre os socialmente desafortunados, sobretudo visível n'O Cantar da Tila (1967)». (…) «Em fundo adivinha-se a cidade, ao sol dos dias luminosos em que Tila se vai descobrindo mulher, ou sob os tons mais carregados da pobreza dos que a habitam».

É esse “olhar dorido” e atento que a aproxima da família Neo-Realista. Porém…

«Poemas de humanidade profunda e de admirável simplicidade (...) – escreveu David Mourão-Ferreira (1986) – em que a visão do quotidiano, embora dorida, e por ácida que às vezes pareça, nunca chega a ser amarga».

Tivemos a honra de receber MRA bem como A. Torrado na Escola D. Dinis na década de 80.


Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990