Opinião

Letras | Contos de Natal

15 dez 2023 11:28

Ressalta, de entre tantas e tantas histórias do Natal português, o “Suave Milagre” de Eça

Época de encantamento (e qual a época que o não tem?), de dádiva, de recolhimento, de lembrança, a do Natal. E é a literatura (seja isso o que for) que gratuitamente nos abre todo esse esplendoroso chapéu de luz (e de sombras) que nos invade e nos completa. Não é por acaso que todos os poetas dedicam tantos dos seus escritos ao Natal – em poemas e em contos, se entendermos o conto como o mediador entre a lírica e a narrativa.

Rica como é a literatura portuguesa e em língua portuguesa, mostra-se farta em contos e naturalmente, em contos de Natal, dada a forte devoção religiosa do povo português. Diz Vasco Graça Moura no seu livro Gloria in Excelsis – As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal (Quetzal, 2008) que a exaltação desta “celebração religiosa transcende para uma comunhão festiva, familiar e universal ligada à ideia de paz na terra e reconciliação entre os homens” e “desponta literariamente na poesia e no teatro” no século XV por exemplo nos autos de devoção de Gil Vicente, seguindo no Renascimento, no Barroco (Rodrigues Lobo, D. Francisco Manuel de Melo), no Romantismo e em todo o século XIX (Garrett, Castilho, Júlio Dinis, A. Nobre, Eça, Ramalho Ortigão) durante todo o século XX (Raul Brandão, Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Sena, Torga, Mª Judite Carvalho, Sophia, Saramago…) e até hoje (Luísa Dacosta, Lídia Jorge, Inês Pedrosa, Agualusa, Mário Cláudio) para referir apenas alguns dos nossos escritores.

Contos de Natal para crianças e adolescentes de (bons) autores portugueses, temo-los de António Torrado, Matilde Rosa Araújo, José Jorge Letria, Mª Alberta Meneres, Alice Vieira, Selma Lagerlöf (traduzida por U. Tavares Rodrigues) e, naturalmente, Sophia com A Noite de Natal, O Cavaleiro da Dinamarca, ou Os Três Reis do Oriente, na sua prosa lisa, branca, serena, poética.

Excelente e ampla a recolha feita por Graça Moura no acima referido Gloria in Excelsis, bem como o elucidativo e apurado prefácio sobre O conto de Natal em Portugal. Outras coletâneas de contos de Natal dignas de registo serão: Contos de Natal da Alêtheia Editores, 2015, que junta contos de clássicos portugueses com clássicos de outras literaturas como Gogol, Tchekhov, O. Henry ou Machado de Assis; ou Vésperas de Natal (Dom Quixote, 2002) que reúne contos de autores contemporâneos como a jornalista Helena Marques, o timorense Luís Cardoso, ou o inconformista Rui Zink.

A época inóspita e sombria do Inverno com o tempo gelado e ventoso, o país rural e pobre, fortemente dominado pelo poder patriarcal tornam os contos portugueses oitocentistas bem como os de 1900 tristes, trágicos, violentos até, o que vai em sentido contrário da alegria e da luz redentora que o Natal simboliza. Ressalta, de entre tantas e tantas histórias do Natal português, o Suave Milagre de Eça presente em todas as antologias e que deixa um sinal luminoso no final. Para além dos Natais de Sophia. Mas esses, como o do Eça, nascem de realidades histórico-geográficas muito diferente...