Opinião

Intimidade e confissão

24 jul 2021 15:45

Quando empresários de sucesso (embora restem apenas dívidas) narram as suas ligações a banqueiros, empresários, políticos, fazem-no com um toque de orgulho e brilho no olhar

Incomodamente, os últimos tempos foram, em Portugal, marcados por um invulgar pico de intimidade. Aliás, um invulgar pico de revelação de intimidade, escancarada aos olhos de todos os portugueses.

Claro que a intimidade a cada um diz respeito, e que o olhar público se deve afastar do que é tão profundo.

Mas quem se dispõe a mostrar a sua intimidade, mais cedo ou mais tarde sofrerá o julgamento público – da censura à vergonha alheia.

Não estou a referir-me à última edição de um qualquer reality show que exponha paixões e concúbito sub-reptício, mas à detenção de José Berardo e Luís Filipe Vieira.

Não seria notícia a detenção de dois empresários em Portugal, se não se tratasse de duas mediáticas personagens dos últimos 15 anos.

A ascensão de Berardo ao estrelato empresarial foi rápida. De um empresário com negócios questionáveis na África do Sul para genial “raider dos mercados”, comprando participações em empresas sucessivas e contribuindo para a reconfiguração da economia portuguesa na primeira década do século XXI, sempre com os comentadores a tecerem loas.

Percebeu-se, depois, o seu requintado gosto artístico através da coleção que gentilmente permite que a populaça visite.

Percebemos, afinal, após a confissão na Assembleia da República, que é um homem remediado, sem património.

Apenas umas associações que têm dívidas impagáveis e do dinheiro emprestado nem rasto. O génio empresarial confessa-se afinal modesto, e daí a ser arguido foi um passo.

E percurso semelhante teve Vieira: empresário de sucesso, chegando nos anos 90 à construção civil.

À medida que cresceu em ambição, aumentaram também as suas dívidas – que, como habitualmente, não são bem suas, mas de uma qualquer empresa.

Escondendo-se à vista de todos no papel de dirigente de uma agremiação desportiva com muitos adeptos, Vieira confessou também na AR que era um acólito de Ricardo Salgado, com quem terá tido negócios questionáveis.

São dois homens com muito evidente intimidade com os meandros do poder (económico e financeiro) em Portugal.

As relações privilegiadas que Berardo e Vieira mantinham foram fulcrais para construir a notoriedade e a riqueza acumulada, assentes em favores, jogos de poder e, provavelmente, ilicitudes de que agora são acusados.

As relações privilegiadas que ambos mantinham foram fulcrais para construir a notoriedade e a riqueza acumulada, assentes em favores, jogos de poder e, provavelmente, ilicitudes de que agora são acusados.

Mas estarão longe de ser os únicos a ter tal intimidade: é notória a existência de uma clique que opera à margem da Lei e da Ética para seu proveito próprio, desprezando as consequências dos seus atos e colocando-as sobre os ombros de quem “viveu acima das suas possibilidades”.

A confissão desta intimidade é feita sem pudor.

Quando empresários de sucesso (embora restem apenas dívidas) narram as suas ligações a banqueiros, empresários, políticos, fazem-no com um toque de orgulho e brilho no olhar.

Tal como adolescentes apaixonados, que não conseguem esconder do mundo quem faz bater o seu coração em noites de insónias, também os membros desta clique se envaidecem com quem faz inchar a sua carteira.

Como se se tratasse de mérito, e não de opróbrio.

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990