Opinião

Há perguntas que nos invadem e que nos podem magoar

27 jan 2023 10:28

Devemos ser mais respeitadores da vida pessoal daqueles que nos rodeiam e evitar atropelar os sentimentos que podem estar fragilizados

Clara Não é uma ilustradora, feminista e cronista que escreve semanalmente para o jornal semanário Expresso e que aborda de uma forma direta problemas da vida quotidiana que a maioria dos comuns mortais já viveu, mas que sente dificuldade em verbalizá-los.

Uma das problemáticas que ela traz regularmente é a pressão social que é colocada sobre as mulheres no que diz respeito à “obrigatoriedade” de serem mães num determinado período das suas vidas.

Atire a primeira pedra quem nunca esteve num almoço de família, daqueles onde estão primos, primas, tios, tias e tudo aquilo que se insira no mais pequeno galho de uma árvore genealógica e surge a pergunta fatal e carregada de razão dirigida àquele elemento da família, do sexo feminino e que já passou a barreira dos trinta anos de idade: “Então e quando é que engravidas? Não há novidades? Olha que já não vais para nova!”.

Perguntas que podem ter vários efeitos e que na maior parte das vezes não são nada positivos. A pessoa sente-se na obrigação de dar uma justificação perante o olhar inquisidor dos outros elementos da família que também estavam a ferver de vontade para lançar a mesma questão ou outra parecida e com a mesma vertente evasiva na vida privada de cada um.

O grande problema é que este tipo de perguntas magoa e não é pouco. Elas tocam na intimidade de cada um e mexem com os sentimentos mais profundos da pessoa visada. Seja porque não se quer ter filhos, ou porque se esteja a tentar há já algum tempo e os resultados não aparecem ou até mesmo devido a possíveis problemas irreversíveis de infertilidade.

Provavelmente haverá alguma falta de empatia, de sensibilidade e também de noção quando se avança assim sobre alguém sem pensar nos efeitos que se poderá causar. Mas não são só as mulheres com mais de trinta anos de idade que sofrem com estas invasões da privacidade de cada um.

Perguntar a um jovem, que seguiu o sonho de ser músico, qual a razão de não ter escolhido uma profissão que lhe trouxesse dinheiro garantido. Questionar um amigo, que acabou de ser deixado pela namorada, qual a razão para estar sozinho. Ou então querer saber qual o motivo porque a colega de trabalho apareceu com uns quilos a mais ou a menos. Estas e outras questões banais aos olhos de cada um podem ser geradoras de uma dor ainda maior nas pessoas que já estão em sofrimento e que aquilo que precisariam era de alguém que lhes falasse de outros assuntos sem ser aqueles em que elas já trazem consigo todos os dias das suas vidas.

Devemos ser mais respeitadores da vida pessoal daqueles que nos rodeiam e evitar atropelar os sentimentos que podem estar fragilizados e que por isso mesmo provocam uma dor constante e diária. Ao mesmo tempo temos que estar atentos e se sentirmos que podemos fazer parte de uma solução para melhorar a mágoa de alguém devemos mostrar-lhe que estamos presentes, sem grandes perguntas ou juízos de valor.

Menos dor e menos invasão… Mais amor, por favor!