Opinião

Greta, apresento-te o Ricardo

12 dez 2019 15:58

Poderia escrever sobre a Greta. Mas seria como falar do tempo: constatar o óbvio (olha, e tá a chover outra vez) e depois dar opiniões sobre o óbvio (é uma chatice que chova; mas faz falta).

O que me parece óbvio: a Greta talvez se leve um bocadinho a sério em demasia, mas tem razão no que diz.

A minha opinião sobre o óbvio: não há nenhum problema na Greta e no que diz, bem pelo contrário; o problema está em quem se cola à Greta em busca do selfie mediático e na imprensa que proporciona e amplifica esse selfie mediático.



O problema não está na chuva; está em quem tenta capturar a chuva dentro de garrafas e depois se põe aos gritos: olhem para mim, tenho aqui chuva.

Há algo de ridículo em tentar aprisionar a realidade, e desse modo procurar condicioná-la. Até porque a realidade é incapturável; afinal, talvez a realidade seja imaterial, apesar de ser concreta.

Um sorriso, por exemplo: haverá algo mais concreto e, simultaneamente, imaterial?

Ou como escreve o Ricardo: “A realidade é imaterial, podemos tentar pará-la dentro de um rectângulo, de uma fracção de segundo, de um olhar, mas só vemos uma pequena partícula do todo.”

Poderia escrever sobre a Greta mas prefiro escrever sobre o Ricardo. Porque enquanto na televisão se transmite com histerismo a partida da Greta, vou passando os olhos pelo JL.

E os olhos detêm-se num título: “O imaterial tem sempre razão.” É o texto do Ricardo, que antes já lera de forma apressada mas que, para desenjoar dos directos na estação dos comboios, releio com calma.

É um texto magnífico. Um texto que se divide entre a crónica, a reflexão e a provocação, cumprindo as mais importantes funções da literatura: questionar e desassossegar.

É um texto que não vale apenas por si mas também pelo que representa: um salto no escuro. Porque o Ricardo é fotógrafo (tenta parar a realidade dentro de rectângulos).

Um fotógrafo tão bom que, por vezes, talvez pense: estou um bocado cansado de rectângulos.

Seria fácil repetir indefinidamente aquilo em que se é bom; mais desafiante é assumir riscos e tentar algo diferente; por exemplo, pousar a máquina fotográfica e pegar na caneta.

Há anos que ouço o Ricardo falar de escrita. Mas só agora surge um passo consistente, um salto no escuro: uma publicação regular num jornal. Acho que entre Gretas e Ricardos, opto pelos Ricardos.

 


Opto pelas pessoas que têm coragem de diversificar, de duvidar da realidade e de si; que não receiam a incerteza; que por perceberem que a realidade é imaterial e fluida, que não é rígida nem estática, ousam fixar-se em mais do que uma partícula.

Sim, a partícula em que a Greta se fixa obsessivamente é a mais importante e condiciona todas as outras; mas não é única. Gosto de imaginar um possível encontro entre os dois.

Provavelmente o Ricardo perguntaria: Oh Greta, já tens idade para beber uma cerveja? Anda daí.

E talvez a contagiasse um pouco com o seu sentido de humor.

Porque é mais fácil salvar o mundo quando se ri.