Opinião

Falhas essenciais

4 nov 2022 16:05

Um zoom nessas profissões deixa-nos aterrados. Salários baixíssimos, horas sem regra, precários, fins de semana comprometidos

O título fazia notícia no jornal Público há uns dias: “Estudantes deixaram vazios cursos em áreas estratégicas para o futuro do país.” Depois de 2 fases no concurso de acesso, onde se abriram as portas praticamente sem restrições, eis que o apuramento constata que os jovens falham muitas áreas estratégicas.

Voltemos à pandemia. Nos tempos de restrições severas à circulação e desenvolvimento da nossa vida em sociedade, conhecemos todos o conceito de trabalhos considerados essenciais. O mundo pode ir todo para casa, mas precisamos de continuar a ter que contar com o trabalho físico e ao vivo, fora de ecrãs, em turnos diurnos e nocturnos, de gente que nos alimentou e cuidou de nós e dos nossos - literalmente.

Um zoom nessas profissões deixa-nos aterrados. Salários baixíssimos, horas sem regra, precários, fins de semana comprometidos… São estes os nossos essenciais. A montante disto, onde encaixam os cursos “estratégicos”? Onde é que os estratégicos se tornam essenciais? Sem isto não temos rumo nem sabemos para onde vamos.

Cheguei há dias da conferência anual do organismo EfVET, a associação europeia de escolas profissionais, desta feita na Finlândia. Fui com gosto secretária geral do comité executivo desta associação num mandato de pouco mais de 3 anos e aprendi muito sobre as diferenças do ensino profissional por esta Europa fora. E por arrasto, o acesso deste ao ensino superior. Não apenas as diferenças curriculares, mas as diferenças de tratamento do Estado perante a sua organização e aplicação, sobretudo investimento e estratégia.

Ao caso que importa, a Finlândia tem 70% dos alunos do ensino secundário a frequentar o ensino profissional como primeira escolha. Os talentos são trabalhados desde tenra idade. Por muito que possamos mudar de emprego ao longo da vida, é certo que todos temos mais jeito para umas coisas do que outras. Isso devidamente trabalhado na escola e, quando potenciado, é uma forma de realização brutal para as pessoas. Desses 70% muitos prosseguem para o ensino superior nas áreas de especialização, não necessariamente sem trabalhar primeiro. Todos são precisos. Há toda uma mecânica e um circuito bem oleado sobre as profissões necessárias, cursos estratégicos e as apostas correspondentes que fazem funcionar o país.

Não sei o que pensam os jovens estudantes sobre os seus talentos e as suas competências humanas e de civilização. Essa é também uma derivada substancial do problema. Que pensam e que querem as novas gerações? Como podemos ir ao encontro das suas expectativas, seja na área dos seus talentos seja na forma como querem trabalhar?… Aqueles que são precisos, necessários e estratégicos precisam de ser percebidos, sobretudo no quadro actual onde a demografia dos jovens nos traduz um número baixíssimo face a toda a pirâmide etária. Sem isso, continuaremos a ter o panorama de cursos vazios e uma disfuncionalidade entre o que o mercado (país) precisa e que o sistema de ensino consegue oferecer.