Opinião

Empreendedorismo real e virtual

22 jun 2016 00:00

Sempre que vejo as universidades e politécnicos a apregoar cursos e disciplinas em empreendedorismo, até fico com os cabelos em pé [por escassos que sejam].

O discurso sobre esta matéria tem sido usado e abusado pelos mais fortes para justificar o insucesso dos mais frágeis, que precisariam, assim, de voltar à escola para reforçar competências quase mágicas de os fazer produtores de emprego para si e para os outros.

Como se a Humanidade pudesse sobreviver apenas com patrões. Como escrevi há umas semanas atrás, o empreendedorismo tornou-se numa nova teologia do séc. XXI. Mas, claro, se o empreendedorismo é uma ideologia neoliberal que prolifera em tanto discurso, por vezes, vazio, isto não significa que não haja verdadeiros empreendedores.

Conheço alguns: aqueles que conseguem viver e sobreviver com 500 euros mensais, donde ainda sobram umas migalhas para ajudar os filhos e netos em momento de crise profunda.

Depois há outros empreendedores que se recusam a subir 30 euritos aos seus empregados. Esses são mesmo muito empreendedores e capazes de juntar fortunas com a ausência de aumentos com que deviam premiar os seus colaboradores.

Depois há, ainda, aqueles que são apanhados nas malhas da Lei por fugirem ao fisco e optarem por offshores tipo “Panamá papers”, entre outros. E o resto? Bom, o resto é o “Zé Povinho” que vive com o que ganha, que não furta, que não foge aos seus impostos, nem à Lei, e que, talvez por isso, não é considerado empreendedor mas pessoa de boa fé. 

Já agora, que é feito dos conceitos de criatividade e inovação no ensino superior? Não eram o bastante? Não são bem mais ricos e operatórios? Era preciso criar e investir tanto num conceito ainda mais ilusório e capitalista? Como se aprende a ser empreendedor?

Com lições professorais em cima dum estrado e projetando power points? Ou com lições de capitalistas? O empreendedorismo aprende-se? Ensina-se? E só se aprende se alguém ensinar? 

Bem, como sabe qualquer artista, pode-se ensinar a pintar mas nunca se ensina a ser pintor. Há razões que a própria razão desconhece. E uma delas está entre a racionalidade e arte.  Que é feito do relatório, “Educação, um tesouro a descobrir” tão bem desenvolvido pela UNESCO e coordenado por Jacques Delors nos finais do séc. XX?

Tanto crescimento, tanto crescimento que passou a haver na boca dos políticos e fazedores de opinião e nada de desenvolvimento. Sim, de desenvolvimento enquanto capacitação, autonomização, qualidade de vida…

Ou será preciso ser rico para ser justo? Será preciso ser rico para ajudar o próximo? Será preciso ser rico para não ser violento? É preciso ser rico para se viver em paz….? 

Onde estão esses quatro grandes pilares idealizados para a educação do séc. XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser? Em qual deles, já agora, integrariam a teologia do empreendedorismo? Em nenhum, meus senhores! 

E o IDH, caros leitores? Sim, o índice de Desenvolvimento Humano, que compara diferentes países para além do crescimento económico (PIB, PNB), onde está? Quem fala dele? Quem discute políticas para o alavancar [Deus me perdoe pela linguagem que uso agora e que pode parecer incoerente]? 

Vivemos num país subdesenvolvido e governado por pseudo elites que pouco sabem da matéria, salvo raras e boas exceções, e que se socorre de palavrões como o empreendedorismo para salvar a sua alma e para encher a carteira com cursos que pouco dão para além do certificado que conferem. 

Há dias, mais propriamente no dia 13 de junho de 2016, no museu de Leiria, no decurso da Tertúlia "O Território e o Património nos Discursos sobre Leiria e suas Regiões" com o colega Fernando Magalhães e o Vereador da Cultura Gonçalo Lopes, percebi, com a interação com o senhor vereador, que comungou desta matéria connosco, que o empreendedorismo é inimigo do desenvolvimento (integrado, endógeno, participado…), uma vez que só visa o lucro individual e não o associativismo.

O empreendedorismo, infelizmente, só busca, tal como o discurso de muito político, o crescimento. Obrigado, Gonçalo. Mal estaria o mundo se embarcássemos todos por esta teologia individualista e capitalista. 

*Professor Coordenador Principal ESECS-IPLeira e CICS.NOVA.IPLeiria (escreve segundo as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - 1990)