Opinião

Desfasamento

30 jan 2021 12:17

Joe Biden tomou posse e devolveu à função presidencial norte-americana uma aborrecida normalidade de que todos sentíamos falta.

No dia 20 de Janeiro de 2021, Donald Trump deixou de ser Presidente dos EUA.

Depois de um mandato de quatro anos pontuado por mais de vinte mil mentiras, conforme contou o Washington Post, Trump abandonou a Casa Branca. Não sem antes ter incitado um motim e ter apelado aos seus apoiantes mais fanáticos para perpetrarem um golpe de estado, situação que faria corar de vergonha qualquer aspirante a ditador de uma República das Bananas.

Joe Biden tomou posse e devolveu à função presidencial norte-americana uma aborrecida normalidade de que todos sentíamos falta.

Quanto à competência e à capacidade de sarar as profundas feridas deixadas pela administração Trump – não só internas, mas também muitas a nível internacional – veremos ao longo do mandato. Mas, para já, o mundo suspira de alívio.

De tal modo os norte-americanos estão aliviados que um dos assuntos mais comentados no Twitter depois da tomada de posse de Biden foi… a qualidade do sono.

Ironicamente, alguns dias depois de Trump sair de cena, um seu fã confesso e inconfesso copy cat recebeu meio milhão de votos nas eleições presidenciais.

Não quero discutir se foram questões conjunturais, a falta de um candidato de um certo partido, ou um mero voto de protesto.

Sei que este resultado foi alarmante e que tirou sono de qualidade a muita gente.

Das conversas que tive na noite eleitoral, senti muita preocupação e até um amigo que questionava se teria a sua geração desiludido a dos seus pais.

É, para mim, intrigante o que leva alguém a votar num cidadão que tem um discurso cavernícola. E digo intrigante num sentido literal, não depreciativo.

Que motivos levam um cidadão português a sentir que o candidato que melhor os representa é aquele que mente e é incoerente, de forma recorrente e comprovada?

Qual é o grau de desespero e de descrença no sistema democrático que este meio milhão de cidadãos (mais uns quantos que concordam e não votaram) sentem?

O que motiva este desespero e descrença na sociedade que construímos nas últimas décadas?

É certo que são ainda 90% de cidadãos que acreditam nos valores e no sistema democrático. Mas os resultados das presidenciais são um sintoma de alerta.

Por muito tentador que seja desdenhar da minoria de cidadãos que votou no candidato de extrema-direita – insultando-os, menorizando a sua inteligência ou assumindo que estão todos errados – é, certamente, mais útil compreender os seus motivos.

E, procurando genuinamente entender o que leva a tão profunda descrença e tão grande desespero, encontrar dentro do sistema democrático as soluções necessárias para os problemas destes cidadãos.

Não é possível manter business as usual. É necessário mudar algo, antes que alastre este estado a mais fatias da população.

É fundamental abandonar o taticismo autofágico de curto prazo e a conveniência com o trogloditismo em troca pelo poder conjuntural. Aproveitemos o desfasamento e aprendamos com o resto do mundo.

Vamos deixar exacerbar o desespero e a descrença até termos uma invasão ao Parlamento? 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990