Opinião

Cada um é muita gente: Mas tão longe

4 out 2025 16:35

Entram de manhã cedo, ainda é nevoeiro naqueles dias que, mais tarde, tendo em conta o sol que arde, são de calor. Saem cedo, também, cada uma será mãe e terá o seu amor

As duas, lado a lado. Hora de almoço, um cigarro na mão e um silêncio que vai sendo intervalado com conversas que vêm de todo o lado, e elas ali, a olhar o chão. Como se procurassem um passado que já lá vai e que não volta - porque o passado nunca volta, porque, se voltasse, não seria passado, seria presente e, sendo presente, não voltaria porque o que é, é agora, nunca tendo sido antes.

Mas ali estão elas, encostadas ao muro, como duas estantes, a fumar e a ouvir e a olhar e a deixar ir o corpo até o corpo parar. Cada uma de bata azul, as duas iguais - trabalharam a manhã inteira, agora não querem mais. Não durante aqueles cinco minutinhos de fumarada e de silêncio e de chão e de, por vezes, conversa que, rapidamente, se transforma, novamente, em solidão.

Passaram o portão e, no estacionamento, vão sendo, naquele compasso lento, o que cada uma é de si - amigas, assim parece, e nem uma nem outra esquece aquilo que a outra é: uma bengala na vida que vai sendo consumida por um cigarro e, quem sabe, mais tarde, por um café. Lá dentro, do outro lado do portão, está a limpeza das escadas, das janelas, do chão, os pequenos recados que levam da cantina ao pavilhão, da sala dos professores à biblioteca onde estão os livros, os jogos, os computadores, e elas, cada uma na sua luta, vão levando a labuta durante o dia inteiro.

Entram de manhã cedo, ainda é nevoeiro naqueles dias que, mais tarde, tendo em conta o sol que arde, são de calor. Saem cedo, também, cada uma será mãe e terá o seu amor. Em casa, segue o dia, à tardinha. Já sem bata, já sem escola, já sem campainha para sair nem para entrar. Uma tábua de passar a ferro, uma sopa ao lume e uma novela a dar. Vem o marido, vem a noite e vem o teria sido se ela, não a noite, a mulher, tivesse tido outra escolha mais cedo.

Talvez tudo se repetisse, talvez por vontade, talvez por medo. Talvez ela se deite com saudade do tempo que passou - em boa verdade, só se pode sentir saudade do que voou, do que já não há. O que temos não sabemos e o que teremos nunca será. E, assim, talvez tudo seja passado. E elas, por fim, as duas, lado a lado.