Opinião

A direito por linhas tortas

8 fev 2021 19:23

Ir ao psicólogo não é sinónimo de uma qualquer realidade que nos humilha ou enfraquece.

Vou contar-vos uma história, a história evolutiva da minha vocação profissional.

Quando era miúda queria ser cabeleireira, um clássico naqueles tempos. A tia Laura tinha  um salão cheio de rolos, secadores e escovas onde eu gostava de jogar ao faz de conta com a minha prima. Depois, deixei-me disso.

A seguir queria ser pediatra. Os bebés e as crianças eram bué fofinhos. Andei assim convencida durante bastante tempo, mas quando cheguei ao liceu estiquei-me ao comprido. Esqueci-me de marrar como devia e fui obrigada a mudar de ideias.

Agora é que era, à terceira é de vez! Ia ser enfermeira! A escola de enfermagem estava aqui ao lado, as mudanças não seriam muitas e continuaria a cumprir o ideal altruísta de ajudar quem precisa. Isto durou até ao dia em que fui ao hospital e me enganei no elevador. Vi o que me custou ver e percebi que não tinha estofo para aquilo.

Fiquei perdida. Estava numa página em branco. E agora? O que ia fazer da minha vida? Não tinha previsto uma situação destas! Gostava de biologia e de psicologia, mas dar aulas não era para mim. Aturar tanta gente ao mesmo tempo ia custar-me!

Pimbas, fico pelo 12°ano. Não há curso que encaixe nesta indecisão, por isso vou trabalhar e talvez mais tarde se faça luz, pensei.

O Hugo e o André demoveram-me desta ideia. E foi mesmo o André que pôs em cima da mesa o curso de psicologia. Eu tinha grandes notas nos testes e o professor até lia as minhas respostas à turma, como exemplo do que devia ser feito! Convenceu-me facilmente, assim numa conversa à beira rio junto à gare. Ia ser psicóloga, fosse isso o que fosse. Depois logo se via.

E foi assim que cheguei aqui. Tantas voltas e baldrocas e acabei a fazer o que na realidade queria. Reparem: não sou cabeleireira, mas ajudo as crianças a ficar mais bonitas e a acreditarem no seu potencial, não faço permanentes nem alisamentos, mas como sabem a verdadeira beleza vem de dentro; não sou pediatra, mas trabalho diretamente com eles, em conjunto traçamos e implementamos planos terapêuticos no sentido de promover o sucesso e o bem estar das crianças com quem trabalhamos; não sou enfermeira, mas sinto que presto cuidados a tanta gente. Pais, professores, avós, irmãos,... não uso pensos nos curativos que faço, nem tenho receitas milagrosas (há quem acredite que o título de psicólogo conceda poderes mágicos, que lemos a mente e cenas do género), mas devolvo sempre esperança, seguro pontas, aguento os cavalos, tapo buracos e dou a mão a quem precisa dela.

Afinal, sem saber, eu queria ser isto tudo ao mesmo tempo. Minimizar danos, ser beneficente, promover o bem estar do outro, prevenir e evitar conflitos, sempre foram imperativos meus, pautados também no Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Quem me conhece, conhece este low profile da Cláudia, que acredito ser também a forma de estar da classe profissional que represento. Avaliar o nível de fragilidade e respeitar a vulnerabilidade de quem connosco trabalha, vestindo muitas vezes as suas camisolas. Diz-se que Deus escreve direito por linhas tortas e comigo foi assim. Por isso, malta jovem, se andam às bulhas com a vossa imaturidade vocacional, saibam que nada está perdido. Como dizia Lavoisier tudo se transforma e em princípio fica tudo bem.

Ah! E ir ao psicólogo não é sinónimo de uma qualquer realidade que nos humilha ou enfraquece. Não sejam totós e gostem de vocês.