Opinião

A crise da crise

19 jan 2024 16:26

Na ânsia de chamar a atenção através de títulos sensacionalistas, de gerar empatia (e engagement), de criar emoções fortes no público, rotula-se de crise toda e qualquer situação

Começamos o ano de 2024 em clima de pré-campanha eleitoral. O Governo já foi demitido, a Assembleia da República já foi dissolvida, e em Março iremos a votos para saber quem nos representará e nos governará nos próximos 4 anos. Mas, já sabemos, estas eleições não estavam previstas e resultaram de uma crise no Governo que redundou no pedido de demissão do primeiro-ministro.

Mas, antes desta crise já tinha havido outras crises – orçamentos não aprovados, contestação de ministros, conflitos com o Presidente da República – tudo isto gerou crises que ocuparam a atenção pública.

Em simultâneo com a crise política, estamos a lidar ainda com uma crise inflacionária. Depois de anos de recessão económica – provocada pela crise pandémica – a inflação aumentou substancialmente, provocando uma subida dos preços e dos lucros das empresas.

A inflação sente-se nos produtos do dia-a-dia, mas também na habitação, que viu os seus preços aumentar por falta de oferta e aumento dos juros. Ou seja, vivemos atualmente numa crise de habitação!

Escusado será falar das alterações climáticas. Em consequência da atividade humana, a temperatura média do planeta tem vindo a aumentar e são cada vez mais notórias as alterações climáticas e os fenómenos extremos: períodos de seca prolongada, ondas de calor, inundações repentinas, vagas de frio intenso. Em suma, uma crise climática!

Mas estas alterações têm vindo a provocar problemas na agricultura – por exemplo, falta de água para os produtores de laranja no Algarve – e são apontadas como um dos principais motivos da imigração de África para os países europeus. Portanto, a crise climática provoca uma crise agrícola e uma crise migratória.

Poderíamos falar de outras crises – crise democrática, crise humanitária, crise de vocações. Mas, quero falar da crise da crise. Afinal, na ânsia de chamar a atenção através de títulos sensacionalistas, de gerar empatia (e engagement), de criar emoções fortes no público, rotula-se de crise toda e qualquer situação.

Como é fácil entender, cada vez que se abusa de algo – de um termo, de um tema, de imagens – o resultado é a dessensibilização. A falta de interesse. Ou, pior, a negação e a repugnância. E com isso, vem a apatia, o conformismo e a inação, caldo perfeito para oportunistas sem escrúpulos.

A crise da crise resulta, em boa parte, da crise dos média. E sem média competentes e credíveis, ficaremos eternamente atolados em crises insolúveis – mas que proporcionam horas lindas de berraria televisiva.