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Veja a fotogaleria: Leiria abraça legado judaico de olhos postos no futuro

26 jul 2017 00:00

Ontem, mais de cinco séculos após a expulsão, a herança do povo hebraico voltou à sua casa de Leiria, com a inauguração do Centro de Diálogo Intercultural, e, simbolicamente, as Chaves de Sefarad foram utilizadas para abrir as portas do lares ancestrais

Fotografia: Ricardo Graça
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Jacinto Silva Duro

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Nos séculos XV e XVI, depois de Lisboa e Porto, a judiaria de Leiria seria a terceira maior do País, segundo os documentos da época e a sua sinagoga seria uma das mais importantes. Após a expulsão e conversão forçadas do “povo eleito”, no século XVI, a Igreja da Misericórdia foi construída em cima do templo judaico.

Ontem, dia 26 de Julho, transformado em Centro de Diálogo Intercultural de Leiria (CDIL), o agora dessacralizado local de culto abriu portas, na presença do ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, que esteve na cidade onde fez o liceu, e integrou formalmente a Rede de Judiarias de Portugal - Rota de Sefarad.

Uma das principais mensagens que o CDIL pretende transmitir é o argumento de paz e entendimento entre povos, em especial o judeu, o cristão e o muçulmano, que partilham o mesmo deus e a mesma génese. O centro, que deverá tornar-se num dos principais motivos de visita turística a Leiria, funciona em dois edifícios.

Um, a antiga igreja barroca da Misericórdia, é o mais emblemático e ocupa, sensivelmente, o espaço onde, no século XVI, se erguia a sinagoga de Leiria. O espaço classificado mantém a sua traça de templo cristão, mas serve como ponto de recolhimento, diálogo e encontro das principais religiões monoteístas mundiais.

O segundo é a "Casa dos Pintores" - assim chamada por ter sido muitas vezes retratada em quadros de vários artistas. É ali que todas as visitas se iniciam.

Visita à tipografia judaica dos Orta
No piso de recepção desta casa, explica-se a história do espaço, a ligação com a Leiria medieval e  as suas fases de construção.

Há também uma exposição de objectos arqueológicos descobertos ali há 12 anos, quando o espaço foi reabilitado. As diferenças entre um lar cristão e um judaico de Leiria são ali explicadas e limitam-se aos objectos religiosos, em especial à presença da Menorah, candelabro de sete braços, um dos principais símbolos do judaísmo, que simboliza os arbustos em chamas que Moisés viu no Monte Sinai.

 Na sala ao lado, encontra-se uma réplica da prensa utilizada por Gutenberg para imprimir a Bíblia, o primeiro livro impresso de sempre, mas que não deveria ser muito diferente da utilizada pelos Orta, mestres tipógrafos judaicos que viveram ali perto, no século XV, e da qual não há descrições. A réplica foi construída por Carlos Costa.

"Quando estudámos a adaptação da Igreja da Misericórdia ao CDIL, percebemos que não faria sentido colocar esta parte dentro do templo. Surgiu a hipótese de transformar a casa num centro interpretativo da judiaria, da tipografia e indústria do papel, em Leiria. Foi uma surpresa feliz", refere o vereador da Cultura, Gonçalo Lopes.

A ideia inicial seria usar apenas o velho templo, mas foi possível fazer uma ligação ao antigo bairro judaico e à tipografia dos Orta, utilizando a Casa dos Pintores, exemplo típico da arquitectura local da Idade Média.

Embora a maioria dos livros impressos na tipografia de Leiria, entre 1491-96, fossem religiosos, uma das excepções, por ordem do rei D. Manuel, foi o Almanach Perpetuum, de Abraão Zacuto, sobre astronomia, que ajudou os navegadores dos Descobrimentos a orientarem-se pelo oceano desconhecido. Outro judeu, José Vizinho, adaptou a obra para a sua efectiva utilização no mar.

Os visitantes deste espaço podem imprimir, em selos brancos, a Menorah e o símbolo do CDIL, usando papel feito no Museu do Moinho do Papel, que celebra a instalação da primeira fábrica de papel em Portugal, em 1411, criada por Gonçalo Lourenço de Gomide, em Leiria.

Aliás, terá sido a proximidade da unidade de produção na cidade que terá levado a família Orta a deixar Salamanca (Espanha), na sequência da perseguição religiosa, e a instalar-se em Leiria. No primeiro piso, são mostradas as principais comunidades judaicas na Península e a sua distribuição.

Percebe-se que a sua concentração na zona da fronteira se prende com a expectativa do regresso a casa e utilização das Chaves de Sefarad, isto é, as chaves dos lares perdidos.

A maioria dos judeus dedicava-se ao comércio, a emprestar dinheiro, a artes como a ourivesaria e à medicina. Aliás, os médicos, muitas vezes também barbeiros e dentistas, eram dos poucos que podiam sair do gueto, após o sol se pôr e as cinco portas de ferro que davam acesso às ruas da comunidade terem sido encerradas.

Torah, Bíblia e Alcorão
Finda a visita à Casa dos Pintores, segue-se para a Igreja da Misericórdia. O templo actual data do início do século XVIII e substituiu a pequena igreja que foi construída, em 1544, em cima ou utilizando partes da sinagoga judaica.

O centro da nave está ocupado por uma exposição modular que pode ser afastada, para abrir espaço para outro tipo de eventos, de conferências a concertos ou mesmo teatro e cinema. Instalado está todo o equipamento áudio e multimédia que permitirá realizar vários tipos de evento, uma vez por mês, como programação complementar no diálogo intercultural.

A mostra modular é composta por quatro grandes representações de livros que representam as principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo e cuja presença se assinala em Leiria.

O quarto livro contém uma mensagem sobre a relação entre os três credos, unidos pelo mesmo deus e divididos na Terra pelo Homem. Nas paredes, são projectadas cinco palavras em Latim, Português e Inglês, e nos alfabetos hebraico e arábico, que representam valores comuns aos três povos: fé, paz, liberdade, oração e amor.

Junto aos degraus para o antigo altar-mor, um filme, em Português e Inglês, baptizado As religiões do Livro, relata a evolução de cada uma das religiões e dos povos da Torah, Bíblia e Alcorão. A narrativa começa com o judaísmo, a mais antiga, e leva-nos até à Mesopotâmia.

Mostra-nos os leões da Porta de Ishtar, os movimentos humanos no Crescente Fértil e, mais tarde, a fixação na Terra Prometida, da Palestina, seguida da Diáspora que levou os judeus atéà Península Ibérica.

Subjacente, está também a ligação entre as religiões e a origem da escrita e fixação da história nos livros sagrados. "Foi um filme onde houve um grande cuidado, para que não houvesse erros factuais que pudessem melindrar judeus,cristãos e muçulmanos", explica o vereador Gonçalo Lopes.

O guião foi desenvolvido internamente, na autarquia,e com o apoio de consultores externos, tendo sido validadopor uma grande equipa de especialistas. A coordenação executiva foi de Vânia Carvalho e Raquel Ferreira Coimbra, a coordenação científica de José Augusto Ramos, a produçãoda Arqueohoje e Município de Leiria, e a realizaçãode Miguel Alves e Renato Silva, com guião de Sara Marques da Cruz.

Os visitantes vão também ficar a conhecer três poetas destas religiões, que habitaram o espaço nacional: LeãoHebreu, D. Dinis e Ibn Ammar.

Onde está a velha sinagoga?
O visitante segue depois para a sacristia, onde um novo painel multimédia fornece mais informações aos visitantes sobre a presença muçulmana, judaica e cristã, em Leiria, que data da Reconquista.

"Conta-se também a história de Leiria, da Misericórdia de local e relata-se a existência deuma igreja antiga antes da existência da actual", explica Sara Marques da Cruz. Uma das dúvidas que o visitante quererá ver respondida será, com toda a certeza, a localização da antiga sinagoga.

"Fazer uma exploração arqueológica profunda deste espaço seria demorado e muito caro, até se encontrar algum sinal da sinagoga. Poderíamos estar a escavar vários metros abaixo do actual nível e seria como achar uma agulha no palheiro", diz Gonçalo Lopes.

O entendimento do investigador Mário Coelho, é de que, ao contrário da actual igreja, não seria um edifício monumental, mas talvez uma pequena casa com um piso térreo, sem sinais evidentes de que seria uma sinagoga.

A presença muçulmana na cidade estava circunscrita à zona da igreja de Santo Estêvão, numa das colinas frontispícias, na Rua das Olarias. "Há registos que falam de mouros escravos e de mouros livres. Com certeza que seria uma presença marcante, mas não temos muitos vestígios materiais", conta Sara Marques da Cruz.

Nesta sala, também se destaca a figura do poeta Francisco Rodrigues Lobo, cristão-novo, filho de judeus forçados à conversão, que vivia com um pé nos dois mundos. Dá-se relevo à poesia e ao facto de ter sido um verdadeiro autor moderno, que se preocupava com a edição profissional das obras. Após este espaço, segue-se para os pisos superiores e a última etapa do roteiro.

Uma pequena porta dá acesso ao corredor que leva ao coro alto e à estreita escada em caracol que leva à bela torre medieval, resquício da igreja primordial. A sua presença foi descoberta com as obras de restauro, pois encontrava-se emparedada.

No coro alto, acaba a visita com uma explicação bilingue da história earquitectura do edifício e um convite ao recolhimento.

Rota de Sefarad
Investimento superior a meio milhão

O CDIL estará aberto de segunda a sexta, das 9:30 às 12:30 e das 14 às 17:30 horas, aos sábados, domingos e feriados das 14: às 17:30 horas, havendo visitas guiadas mediante marcação prévia. O ingresso é gratuito.

O centro de Leiria é um de 12 projectos da Rota de Sefarad - Valorização da identidade Judaica Portuguesa no Diálogo Interculturas, financiados pelo Espaço Económico Europeu (EEA). O restauro e reabilitação da Igreja da Misericórdia custou cerca de 437 mil euros, mais IVA, e a musealização orçou em quase 135 mil euros, mais IVA.

No futuro, o CDIL poderá destacar outros vultos de Leiria, como o padre Joaquim Carreira, que salvou dezenas de pessoas de origem judaica durante a segunda Guerra Mundial.