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Tolentino de Mendonça: “A cultura é a primeira antena dos sinais do futuro”

23 out 2020 15:55

Cardeal abriu os trabalhos do "Congresso O Futuro da Nossa Cidade" da Rede Cultura 2027

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Tolentino Mendonça: “Pandemia começou por ser encarada com uma questão sanitária, mas deve ser encarada como uma encruzilhada de futuro”
Jacinto Silva Duro
Jacinto Silva Duro

Hoje e amanhã, encerra o Congresso O Futuro da Nossa Cidade, ponto de encontro de pensamento e discussão sobre a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027, em Leiria e Caldas da Rainha.

Nomes sonantes da cultura e do pensamento estratégico das cidades marcam presença nesta etapa da iniciativa que teve início há seis meses e funcionou em modo itinerante, pelos 26 concelhos que fazem parte da Rede Cultura 2027, plataforma criada para formalizar a candidatura. 

Hoje, no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, a sessão de abertura da última etapa contou com a presença a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e com o cardeal José Tolentino Mendonça.

O poeta, escritor e arquivista da Santa Sé, foi o primeiro orador e levou uma comunicação sob o tema Ao encontro das cidades futuras, citação retirada do poeta Carlos Oliveira, onde referiu que as “as cidades não se compreendem sem a Pessoa Humana, que são a sua consciência e razão de ser”. 

Caminhar ao encontro das cidades futuras, afirmou, será sempre caminhar ao encontro das pessoas. “Mas as cidades continuam a ser a rede de relações - políticas económicas, sociais e culturais - que se desenvolve num território. Não se compreende a cidade sem as lições de vida e de mundo que ela plasma.”

Quando se fala, por isso, em futuro, o cardeal sublinhou que “precisamos de escutar as cidades e de aprender a escutá-las melhor”.  Os grandes desafios de hoje, alertou, são os que se prendem directamente com a qualidade do viver humano. 

“Construir uma cidade não é uma tarefa solitária. Tudo está ligado, estamos todos ligados. Construir uma cidade é o desafio de empurrar o nosso tempo mais para a frente. É sonhar, mesmo que isso implique sacrificar-nos por um ideal. Terá valido a pena.” 

Tolentino Mendonça apontou também cinco desafios para a construção da cidade futura:

Redescobrir o bem-comum (como raiz fundamental da cidade futura):  O bem social que sociedade distribui pelos seus membros para desenvolver o bem integral. O bem que está acima dos interesses particulares e egoísmos corporativos. “O bem-comum é a condição primordial para o sucesso económico, cultural e social.” Na encíclica Fratelli Tutti, o Papa aponta o perigo do “modelo cultural único”, impulsionado pelas “simples e efémeras campanhas de marketing da política” e pelos “interesses egoístas da economia”.

Redescobrir a comunidade: É na comunidade que a história começa e na relação, quando do eu, passamos ao nós. “É frequente olharmos para as nossas cidades e verificar que estas funcionam como ilhas, onde estamos de costas voltadas uns para os outros.” As cidades têm de ser lugar de encontro entre diversidades que entram em contacto e dão vida a um processo de convivência e cooperação social. “Instalou-se na contemporaneidade uma espécie de crise da presença”, afirmou chamando a atenção para o perigo da “comunidade online, sem comunidade presencial no centro da sua atenção”. 

Redescobrir a sustentabilidade cultural: Entre outras medidas que permitam à cultura sair da situação periférica e puramente ornamental, Tolentino Mendonça insistiu na necessidade de fazer da política cultural um ponto importante do desenvolvimento, promover a criatividade, promover a diversidade cultural, proporcionar as condições económicas para a sustentabilidade cultural e inserir a cultura nas políticas publicas de desenvolvimento das comunidades e da identidade. “A cultura é a primeira antena dos sinais do futuro. Sem uma percepção cultural profunda as cidades não avançam nem se reinventam.”

Redescobrir a sustentabilidade ecológica: Para o cardeal, a pegada ecológica diz muito da sociedade onde vivemos. “As sociedades avançadas geram uma inflação permanente nos recursos, sem consciência do consumo dos recursos, como se estes fossem inesgotáveis”, por isso, concluiu: “a pandemia devolveu-nos a consciência dos limites”. “Começou por ser encarada com uma questão sanitária, mas deve ser encarada como uma encruzilhada de futuro. É impossível não ver o estado de emergência ecológica em que vivemos. É urgente a consciência de proteger a nossa casa comum, e de unir a família humana em busca de uma consciência ambiental; a busca de uma cidadania ecológica, assente na solidariedade e na compaixão.” Tolentino citou o Papa Francisco, que pede “uma solução global”, que assente na educação, numa política comum e global, e resistência ao “paradigma tecnocrático”. 

Redescobrir amizade e fraternidade social: “A fraternidade deve se reconhecida como eixo orientador da sociedade. A globalização tornou-nos vizinhos, mas não irmãos”, refere encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco. Para o orador, a contemporaneidade leva a que “não nos sintamos tripulação do mesmo barco, nem locatários da mesa casa comum. Mas somos!” Um sentimento que, nota, tem sido potenciado pelo “egoísmo social e autoprotecção dos interesses”. 

Rede de cultural que vai das portas de Lisboa até às portas de Coimbra
O presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, foi o primeiro a dirigir-se ao público, após a abertura da sessão que iniciou com um “Poema a 26”, dito, em streamming, pelos autarcas dos municípios que integram a Rede 2027, acompanhados ao piano por Daniel Bernardes.

“A 22 de Maio de 2015, Leiria foi a primeira cidade a dizer que pretendia ser Capital Europeia da Cultura, em 2027, mas não queria estar sozinha. Com 26 concelhos, perfaz quase 10% do território continental. É uma rede de cultural que vai das portas de Lisboa até às portas de Coimbra, 178 quilómetros, a norte da capital”, afirmou, salientando que se trata de um um modelo que assenta nas especificidades das terras e das gentes.

“Esta é a fase de consolidação do projecto junto das populações e dos agentes culturais e económicos. Juntos damos o próximo passo”, disse. Gonçalo Lopes terminou a intervenção, dizendo que espera ver, em 2027, Leiria a acolher a celebração da capital da cultura.

Mobilização colectiva em nome de um bem maior
A ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, elogiou o modelo escolhido para a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura e a ideia de união e “coesão”, subjacentes.

“Uma candidatura construída em rede, onde juntos seremos mais fortes”, disse, sublinhando que se trata de um projecto que colocou em prática uma mobilização colectiva e “o orgulho de se ultrapassar pequenas diferenças”, em nome de um bem maior.

“Esta rede de 26 municípios de Leiria, Oeste e Médio Tejo uniu-se em nome da coesão. Aplaudirei sempre quem tem a coragem de se unir em iniciativas maiores.”

“Aos autarcas que querem fazer juntos e em rede, parabéns. Venho aqui dar nota do meu apreço pessoal e institucional do Governo.”

A ministra passou ainda uma mensagem sobre a importância da cultura no desenvolvimento local, regional e nacional. Um factor, que considera ser “importante e um bem essencial, tal como a educação, é importante para a coesão”.

Os trabalhos continuam hoje, em Leiria, e amanhã em Caldas da Rainha.

Programa Congresso O Futuro da Nossa Cidade

Dia 23 - Leiria – Teatro José Lúcio da Silva

9:30 horas – Abertura em forma de Poema a 26, com participação dos 26 presidentes, acompanhado ao piano por Daniel Bernardes

10 horas – Ao encontro das cidades futuras, por Tolentino Mendonça

11:15 horas – Desafios do Passado na construção do Futuro da Cidade, por Saul António Gomes

11:45 horas – A paisagem do território, da geografia à arquitectura, com Maria Virgínia Henriques e Sara Saragoça e moderação de João Ferrão

12:15 horas – A criação das artes ao quotidiano, com Samuel Rama, Sofia Rino e Susana Silvestre e moderação de Dulce Correia

15 horas – Planear o Futuro das cidades, por Kepa Korta

15:30 horas – Cultura com todos para todos, por Paulo Pires, Patrícia Martins, Telmo Soares e Fernanda Sousa

16 horas – Canal aberto a 26 - Conclusões das Oficinas do Futuro

16:45 horas – Donde viemos, onde estamos e para onde queremos ir, por Alexandre Quintanilha

18 horas – Inauguração de Identidade Territorial: Imaginário visual da Região - exposição de fotografia no m|i|mo - Museu da Imagem em Movimento

21:30 horas – Concerto com THE GIFT

Nos municípios da Rede Cultura 2027 – De manhã e em streaming, será possível assistir à programação que decorre do Teatro José Lúcio da Silva. Pelas 14:30 horas, decorrem as Oficinas do Futuro. Os congressistas presentes em cada uma das 24 salas, sob a mediação das vereações da Cultura, reflectem sobre o futuro cultural dos seus concelhos. A resposta será, depois, partilhada a todo o plenário do Congresso num pitch de um minuto no Canal aberto a 26.

Dia 24

No território da Rede - Roteiros Imersivos - Sabores, Sentires e Saberes

Caldas da Rainha – Centro Cultural e de Congressos

17:15 horas – Prelúdio musical - Banda Comércio e Indústria das Caldas da Rainha

17:30 horas – Sonhos e desejos: 3 crianças, 3 jovens e 3 adultos idosos partilham o que sonham para as suas cidades.

18:15 horas – O Futuro da nossa cidade

18:30 horas – A Restless Art: the principle of cultural inclusion, por François Matarasso

20 horas – Histórias de 1 minuto em 7 minutos de histórias dos roteiros do dia

21:15 horas – Gonçalo M Tavares – A história final da Peregrinação

21:30 horas – Orquestra Sinfónica de Thomar com os solistas Marta Menezes – Piano, e Daniel Reis – Hang; Direcção de Simão Francisco