Sociedade

Quem está offline perde negócios

17 jun 2016 00:00

As redes sociais são um espaço de partilha de opiniões e de informação que não pode ser desvalorizado pelas organizações. É lá que estão muitos dos seus clientes e público.

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Jacinto Silva Duro

Este fim-de-semana, a Think Conference, em Leiria, servirá para ajudar a criar negócios de base digital e a compreender melhor como gerir a presença no online. Mas há riscos nesta nova existência virtual

Os negócios e o modo de os fazer mudaram radicalmente com o advento da rede global de informações. Nunca como hoje, conhecimento foi poder. Ainda muita gente percepciona o Facebook como aquele “programita” que serve para alguns “viciados” acordarem a meio da noite para colher milho e mugir as vacas no célebre jogo Farmville.

Porém, as redes sociais, como esta, são extremamente importantes para o marketing relacional. Com elas, pode angariar clientes para toda a vida… ou perdê-los para sempre. As redes sociais servem para perceber os desejos e necessidades do consumidor. Quando este sai de casa já sabe o que quer.

Muitas vezes, já fez uma consulta na internet e só se desloca à loja para adquirir um artigo. O inverso também acontece; já passou pela loja, experimentou e depois adquire na internet com desconto no preço.

O meio digital é uma plataforma importante para criar e manter negócios. Sabia, por exemplo que a Über, que tantas dores de cabeça tem dado aos taxistas portugueses, ao mesmo tempo que conquista, pela sua qualidade e facilidade de utilização, mais e mais adeptos nacionais, conta apenas com seis jovens funcionários?

Os mais de mil motoristas não estão afectos à empresa. Como se gere este e outros negócios de milhões, em crescimento pelo mundo e que conseguem excelentes níveis de aceitação do público? Com a internet. Porquê? Porque é lá que está concentrada e acessível boa parte do público que interessam às marcas.

Por outro lado, o marketing agressivo, intrusivo e exclusivamente centrado nas vendas está em desuso. Quem nunca bloqueou um número de call centre ou perdeu as estribeiras com quem insistentemente lhe liga para tentar vender uma aspirador miraculoso que custa mais do que quatro salários mínimos?

Os consumidores criaram anti-corpos e as técnicas de venda e promoção tradicionais têm, bastas vezes, um efeito contrário àquele que pretende. Nos últimos anos têm aparecido novas variantes do marketing, como o relacional que tenta estabelecer relações duradouras e de fidelização dos potenciais clientes.

As redes sociais são a maneira mais fácil de alcançar este objectivo. É que os consumidores deixaram de ser passivos e tornaram-se activos e “muscularam-se”. Hoje, experimentam produtos, tecem críticas, positivas e negativas, e influenciam muitos outros potenciais clientes com as suas palavras.

Uma crítica deixada sem resposta ou apagada de uma página de rede social pode, potencialmente, ter mais efeitos catastróficos do que uma notícia num jornal. Que o diga a EDP que, desde 2011, encerrou a sua página de Facebook, depois de várias críticas ao seu Plano de Barragens terem sido apagadas, motivando a fúria dos utilizadores das redes sociais.

É, por isso, importante saber estar e gerir a presença nos meios digitais. Pela positiva, veja-se os casos da cadeia de fast-food Mcdonald's ou a Ikea, onde todos os pormenores da comunicação digital são pensados meticulosamente.

Se a rede de restaurantes aposta na comunicação da diversão em família à volta de uma refeição, a marca de móveis sueca aposta no lar e nas tradições, procurando criar uma relação com os clientes nas suas fases da vida, através de sugestões nas suas redes sociais, captando assim muitos clientes que, de outro modo, jamais se lembrariam de procurar uma loja de móveis que obriga ao esforço de ler manuais e diagramas de instruções para montar toda a mobília da casa.

A loja tem de ir ao encontro das pessoas Nos últimos anos, os meios digitais, para promoção de produto, de empresas, para compra e venda e mesmo análise de mercadoria, tornaram- se omnipresentes. Paulo Faustino, responsável pela Get Digital e organizador da Think Conference, evento que ambiciona ser o maior acontecimento de marketing digital já realizado em Portugal e que terá lugar em Leiria nos dias 18 e 19 de Junho, no Teatro José Lúcio da Silva, é peremptório: “as pessoas ainda não perceberam a mudança que se deu com o aparecimento dos telefones inteligentes.

Em apenas quatro ou cinco anos, as coisas alteraram-se radicalmente. Hoje, temos um computador na palma da mão e fazemos quase tudo nele. Há ainda muita gente que ainda não acordou para esta realidade e quem não tiver uma boa presença no digital está a perder negócios para a concorrência.

Ana Lisboa, coordenadora da licenciatura em Marketing, do Politécnico de Leiria, alinha pela mesma ideia e refere que estamos perante um consumidor mais conhecedor, mais exigente, que não só tem um maior conhecimento dos produtos e marcas, como partilha essa informação e opina sobre a questão.

Ana Lisboa, coordenadora da licenciatura em Marketing, no Instituto Politécnico de Leiria
“O consumidor está mais conhecedor, mais exigente e partilha opiniões”
 

De que modo o aparecimento das redes sociais veio alterar o modo de fazer marketing?
A emergência e crescimento exponencial das redes sociais veio trazer um novo mundo ao marketing. Por um lado, pequenos negócios ou hobbies- transformados-em-negócios ganham uma voz que, antes, não era possível. Por outro, com a proliferação de estímulos, segmentação e alteração do perfil do consumidor, mesmo as marcas estabelecidas constatam que os meios tradicionais já não são tão eficazes. Por exemplo, para aceder à chamada geração millennial, as marcas não podem basear-se nos meios e técnicas usadas até então. Adicionalmente, através das redes sociais torna-se possível estar mais próximo do consumidor, interagir com ele e ter um feedback imediato. Esta maior envolvência com o consumidor permite ter acesso a perspectivas únicas e valiosas para as marcas. Ainda assim, isso não pode ser feito de qualquer modo, até porque a presença nas redes sociais exige competências por parte das marcas que são distintas das do passado. A interacção e necessidade constantes de actualização é uma realidade, bem como os conteúdos que devem ser desenvolvidos para colocação nas redes sociais. Esta foi uma das razões que nos levou a reformular o curso de Marketing, da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico de Leiria, para reforçar estas novas matérias e técnicas, como a produção de conteúdos (Content Marketing) e o Marketing Digital.

Hoje, tudo o que consumidor procura, lê, comenta e partilha pode servir para que as empresas criem perfis de consumidor, destinados à concepção de novos produtos e serviços? Que mais-valias pode trazer este processo?
O papel do consumidor hoje em dia é muito mais activo do que era no passado. Estamos perante um consumidor mais conhecedor, mais exigente, que não só tem um maior conhecimento dos produtos e marcas, como partilha essa informação e opina sobre a questão. Falamos de novos conceitos como os de prosumer, adsumer ou crossumer. O surgimento de bloggers influentes é disso um exemplo. Esta nova realidade pode representar grandes mais-valias para as marcas que acompanharem o processo. Não só conseguem ouvir a verdadeira voz dos seus consumidores e influenciadores, como podem desenvolver novos produtos, serviços e novas parcerias. Quando digo que se consegue ouvir a verdadeira voz dos consumidores e influenciadores refiro-me ao facto de estes partilharem publicamente a sua opinião, seja ela positiva ou negativa. Esta é uma informação que não só está hoje acessível às marcas, como pode ser trabalhada por elas, nomeadamente a opinião negativa. Se por um lado há a tentação de a ignorar ou até “apagar”, na verdade, é algo que permite entender a perspectiva do cliente. Assim, pode ser usada para fazer adaptações aos produtos e serviços da empresa e até reconquistar os consumidores insatisfeitos. Relativamente às novas parcerias, apontase o potencial destes novos líderes de opinião, cujos comentários e testemunhos são vistos como mais credíveis do que as campanhas de comunicação desenvolvidas pelas marcas.

O Marketing Relacional pode ser usado para os públicos internos e externos das organizações?
A sua base é a construção e valorização de relacionamentos entre as empresas/ marcas e os seus clientes. Pretende-se com o marketing relacional um maior envolvimento e uma relação de longo prazo ao invés de uma transacção pontual ou de curto prazo. Este é um conceito que poderá ser aplicado quer a públicos externos, quer a internos. Na verdade, na óptica domarketinginterno, o publico interno é percepcionado como um “cliente interno”. Os colaboradores são os primeiros “clientes” em contacto com a empresa/marca e a sua identificação e satisfação ou insatisfação com a mesma poderá transparecer para os clientes externos. De igual modo, apesar de as empresas/marcas se poderem valorizar com a captação e inclusão de elementos novos, o desenvolvimento de relacionamentos prolíficos com os seus colaboradores pode beneficiar na medida em que se envolvem mais e poderão dar contributos únicos.

Se, por um lado, a afinação de gostos e recolha de preferências dos consumidores, por parte das empresas, pode ser positiva, solidificando a fidelização e contornando os "anticorpos" que o consumidor desenvolver contra as técnicas tradicionais de marketing, por outro, não estaremos perante a criação de um verdadeiro Big Brother?
Este tem sido o problema apontado ao uso destas novas técnicas, não só as redes sociais, como também o mobile marketing. Por exemplo, a existência da geo-referenciação permite comunicar com o cliente com base na sua localização, o que pode provocar essa sensação de Big Brother e aumentar a desconfiança do consumidor. Algumas marcas têm usado o permission marketing para minorar esta sensação e aumentar a receptividade do consumidor. Neste caso, é o próprio consumidor que disponibiliza os seus dados para poder ser contactado.